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Pachinko, de Min Jin Lee | Resenha

A caixa 025 do Intrínsecos (outubro/2020) – o clube de assinatura da editora Intrínseca – trouxe Pachinko, uma história emocionante sobre a saga de uma família coreana no Japão. A obra de Min Jin Lee acompanha, ao longo de quase um século, Sunja e os seus descendentes vivendo com extrema dificuldade às margens de uma sociedade japonesa xenófoba. O livro é um drama familiar que cativa logo nas primeiras páginas, envolvendo o leitor com a sua trama, batalhas diárias e personagens, além de escancarar os problemas migratórios no Japão e colocar o dedo na ferida de um ponto sensível da cultura nipônica.

Em Pachinko, Sunja, filha adorada de um pescador aleijado, apaixona-se, no início dos anos 1900, por um rico forasteiro na costa perto de sua casa, na Coreia. Esse homem promete o mundo a ela, mas, quando descobre que está grávida ― e que seu amado é casado ―, Sunja se recusa a aceitar a oferta dele. Em vez disso, aceita o pedido de casamento de um gentil pastor que está de passagem pelo vilarejo, rumo ao Japão. A decisão de abandonar o lar e rejeitar o poderoso pai de seu filho dá início a uma saga dramática que se desdobrará ao longo de gerações por quase cem anos.

A história coreana e reflexões

Pachinko retrata uma história que para nós, brasileiros, é pouco conhecida. A invasão/colonização japonesa na Coreia, a divisão das Coreias, a forte imigração coreana no Japão e o preconceito sofrido por estes estrangeiros na terra do sol nascente.

O livro é um mergulho nos desafios destes imigrantes – que não foram poucos -, na luta por sobrevivência e emprego, além de uma reflexão profunda sobre as questões de identidade nacional. Afinal, os coreanos que vivem no Japão, muitos deles nascidos lá, ficam num limbo, pois não são considerados japoneses e tão pouco se identificam com a Coreia.

A leitura é uma oportunidade de conhecer um pouco mais da história oriental, da cultura e ampliar nossos horizontes. Entender melhor as sociedades, refletir sobre o preconceito e mudar uma visão simplista e pejorativa de que todo oriental é igual.

Personagens, tramas, relatos emocionantes

Por mais que seja uma obra de ficção, Pachinko é um livro que retrata a dura vida dos coreanos no Japão. O minucioso trabalho de pesquisa da autora Min Jin Lee fica nítido na construção dos personagens e tramas, e podemos acompanhar o processo na revista que faz parte da caixa. O modo como a autora consegue distribuir estes dramas relatados nas peças que conduzem a sua narrativa é formidável.

Os personagens são bem complexos – com seus dilemas, medos, sonhos, amores – e transmitem uma emoção tão genuína que parecem realmente existir. A obra consegue explorar bem não só os protagonistas, mas todos aqueles  os cercam. Pachinko não é um livro curto, mas é tão bom de ler que gostaríamos de conhecer mais sobre alguns destes coreanos no Japão.

Dramas familiares e culturais

Pachinko é um livro que acompanha a família de Sunja ao longo de gerações. A matriarca, óbvio, tem um poder central na trama, entretanto, ela também é o ponto de partida para as futuras gerações. Em alguns momentos, principalmente do meio para o final, outros membros da família assumem o protagonismo e podemos acompanhar outros dramas e problemáticas vividos por estes imigrantes, desta vez coreanos nascidos no Japão – uma das grandes problemáticas do livro.

Em dramas familiares, principalmente os que acompanham famílias por gerações, vemos o quanto uma atitude interfere na vida dos demais. Em Pachinko, não é diferente. Além dos segredos, amores proibidos, concessões, fatalidades e desavenças, temos um elemento especial: a cultura.

A cultura japonesa é bastante conservadora. Ainda mais em assuntos familiares. Tem a questão da honra, do estrangeiro, da condenação de toda uma família pela atitude de um membro e uma visão diferenciada do suicídio, por exemplo, entre outras peculiaridades.

Uma das principais questões abordadas no livro é a da nacionalidade, que é bem diferente da nossa (brasileira). Não basta nascer no Japão para ser japonês. Ao mesmo tempo que uma pessoa pode ser japonesa sem nunca ter colocado os pés lá, desde que seus pais sejam japoneses.

A questão da nacionalidade japonesa é bastante complexa e causa uma série de questionamentos, afetando principalmente os personagens centrais de Pachinko – algo que, por desconhecimento, nunca tinha parado para pensar. O xenofobismo é tamanho que os obstáculos para um estrangeiro no país são bem maiores do que em outros lugares. É uma sociedade culturalmente fechada e bastante conservadora.

Pachinko aborda muito bem o tema e propõe uma boa reflexão sobre o impacto deste comportamento da cultura japonesa no mundo globalizado. Sem dúvidas, um dos principais destaques do livro.

Os salões de Pachinko

Até começar a ler a obra nunca tinha ouvido falar em pachinko – um jogo de caça-níqueis onipresente no Japão. Apesar de ter buscado esta informação, antes de iniciar a leitura, demorei para entender a escolha do título. Até porque os salões de pachinko não aparecem logo de cara na trama.

Refletindo posteriormente, além de fundamental para a família de Sunja – como vemos na geração seguinte à dela -, a dinâmica do jogo, sorte, azar e manipulação, tem um paralelo bem interessante com a trama central. Além do pachinko ser um meio de sobrevivência dos coreanos no Japão e refletir, de certo modo, o xenofobismo. Resumindo, o título não poderia ser mais apropriado.

Pachinko é uma obra arrebatadora, envolvente e enriquecedora. Um livro a ser apreciado. Uma história deliciosa que propõe uma grande reflexão sobre o conceito de nacionalidade e pertencimento. Impossível ser o mesmo após o fim da leitura, impossível ver as questões migratórias da mesma maneira.

Título: Pachinko Autor: Min Jin Lee | Tradução: Marina Vargas | Editora: Intrínseca | Páginas: 528

Apaixonado por histórias, tramas e personagens. É o tipo de leitor que fica obsessivamente tentando adivinhar o que vai acontecer, porém gosta de ser surpreendido. Independente do gênero, dispensando apenas os romances melosos, prefere os livros digitais aos impressos, pois, assim, ele pode carregar para qualquer lugar.

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