Resenhas

A Filha Perdida, de Elena Ferrante | Resenha

‘A Filha Perdida’: uma narrativa fria e brutal

Assumir os nossos sentimentos mais sombrios não é fácil. Chega a ser assustador quando perdemos o controle das nossas próprias emoções. Até porque, isso implica em lidar com as consequências de nossas atitudes, nossas palavras, decisões e o julgamento dos outros. É difícil apontar o dedo para a própria ferida. Por isso mesmo, Elena Ferrante incomoda, irrita, choca. E, mais uma vez, a autora italiana que escreve sob pseudônimo nos arrebata – de maneira positiva e negativa – com o livro A Filha Perdida, publicado pela editora Intrínseca.

Na obra – lançada originalmente em 2006 -, acompanhamos Leda, uma professora universitária de meia-idade, que decide tirar férias no litoral sul da Itália, após suas duas filhas – já crescidas – terem decidido se mudar para o Canadá e morar com o pai. Aliviada com a liberdade recém-adquirida, Leda logo se pega interessada por uma família napolitana na praia, especialmente por Nina, uma jovem mãe, e sua filha, Elena. Ao longo dos dias, a partir da aproximação de Leda e Nina, a professora começa a repensar a sua própria vida, através de lembranças, até mesmo, dolorosas que a obrigam a assumir e a entender os seus sentimentos e segredos adormecidos… E a si mesma.

A escrita de Elena Ferrante é visceral. Sua capacidade de transpor para as páginas os pensamentos mais íntimos e constrangedores do ser humano de uma maneira extremamente verdadeira e natural provoca quase uma catarse. Somos obrigados a olhar para o nosso lado mais egoísta, mais transparente e sincero. Isso, muitas vezes, incomoda. E muito. Principalmente quando a pessoa escolhida pela autora para representar tudo isso é uma mãe. Uma mãe cansada, frustrada, amargurada e infeliz. Uma mãe que não aguentava mais viver apenas por suas filhas. Que não suportava abrir mão da própria vida. E, acima de tudo, estava farta de ter que omitir esses sentimentos.

Elena Ferrante toca num ponto muito delicado. Como uma mãe pode simplesmente dizer que está cansada do filho? Como uma mãe pode querer largar tudo para viver a própria vida? Leda não só podia, como fez. O problema, em minha opinião, foi a maneira como tudo se desenrolou na trama. Entendo o ponto de vista da protagonista e acredito que ninguém esteja apto a julgar as atitudes e os sentimentos de Leda, mas confesso que achei o desenvolvimento da história um tanto quanto superficial. Ao ponto de, mesmo compreendendo as questões levantadas, foi impossível conseguir me conectar com ela. Até porque, mesmo com todas as suas recordações e justificativas remetendo ao passado, a impressão que tive de Leda foi principalmente de uma mulher extremamente egoísta. E olha que não falo isso pela questão da maternidade. As mulheres não são obrigadas a serem mães perfeitas. Mãe é, acima de tudo, um ser humano. Mas Leda me pareceu se importar apenas com ela mesma, com a sua própria felicidade e bem estar. O desespero, o cansaço e esgotamento com as filhas poderiam facilmente ser apenas uma desculpa para a protagonista não assumir esse lado.

Ao mesmo tempo, toda a relação com a família napolitana também me passou a impressão de algo forçado, para que Leda pudesse fazer qualquer relação maternal para vincular às suas lembranças e sentimentos obscuros. Ela projetou naquela mãe e criança as suas próprias frustrações, pré-julgando ela mesma aquela família e se achando no direito de interferir em sua rotina. Sinceramente, não consegui entender o propósito de tudo isso. Ainda mais com aquele final. Mas, talvez, seja essa a intenção de Elena Ferrante. Mostrar tudo no preto e branco e nos tirar da zona de conforto. O choque de realidade é duro e cruel. Com certeza, nos faz parar para pensar e repensar. Quanto a isso, tiro o meu chapéu. Que narrativa fria, detalhista e sincera. Que força.

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Jornalista de coração. Leitora por vocação. Completamente apaixonada pelo universo dos livros, adoraria ser amiga da Jane Austen, desvendar símbolos com Robert Langdon, estudar em Hogwarts (e ser da Grifinória, é claro), ouvir histórias contadas pelo próprio Sidney Sheldon, conhecer Avalon e Camelot e experimentar a magia ao lado de Marion Zimmer Bradley, mas conheceu Mauricio de Sousa e Pedro Bandeira e não poderia ser mais realizada "literariamente". Ainda terá uma biblioteca em casa, tipo aquela de "A Bela e a Fera".

3 Comentários

  • Brenda

    Oi, Ju! Amei a resenha! <3 Sobre isso que você falou, de não conseguir entender o propósito da interferência da protagonista, também pensei bastante sobre isso, e eu acho que é puramente porque a mulher é descontrolada e, bem, louca! Haha Ela não se dava bem com as filhas e pelo jeito não as amava, e ver uma mãe se dar tão bem com a filha a deixava mal e amarga. Pra mim, ela quis desestruturar a jovem mãe e provar pra ela mesmo que nenhuma maternidade é fácil, que toda mãe está à beira do precipício! Haha Não sei se é isso mesmo, mas foi o que eu senti! (Aliás, pretendo escrever sobre isso no SLET no Dia das Mulheres. ^^)

    Beijo,
    Brenda

    • Juliana d'Arêde

      Oiee, Brenda!

      Ai, que bom que gostou da resenha!! Muito obrigada!! <3 <3

      Exato. Esse livro me fez refletir bastante e questionar muitas coisas.

      E concordo com você! Eu acho que a mulher simplesmente não nasceu pra ser mãe, sabe? Isso acontece! Só que tem essa pressão gigantesca para que as mulheres sejam mães perfeitas e, talvez, o fato de ela não ser e muito menos sentir amor pelas filhas, tenha sido muito pra ela aguentar e, por isso, ela surtou. Eu não tinha parado para pensar nisso, de que ela pode ter tentado desestruturar a jovem de propósito, mas faz muito sentido!!

      Opa, já quero ler seu artigo do Dia das Mulheres!!! 🙂

      Muito obrigada pelo comentário e pela força!! <3 <3

      Beijão

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