Resenhas

A História de Shuggie Bain, de Douglas Stuart | Resenha

‘A História de Shuggie Bain’: uma trama forte, o amor de um filho e o alcoolismo

A edição 037 do Intrínsecos, clube de assinatura da editora Intrínseca, traz uma trama forte sobre o amor incondicional de um filho por uma mãe alcoólatra. Em A História de Shuggie Bain, acompanhamos a infância e o começo da adolescência de Shuggie, um menino pobre de uma Escócia arruinada pela desindustrialização da década de 1980. Enquanto o garoto tenta se adequar aos padrões de masculinidades impostos pela sociedade – sofrendo abuso sexual e outras violências -, busca salvar a mãe, Agnes, do alcoolismo.

A obra de estreia de Douglas Stuart é um retrato fiel, profundo e impactante sobre as mazelas da dependência química e das famílias destroçadas pelo vício. Mostra o lado devastador do álcool no indivíduo e como o alcoolismo é um problema social. O livro é uma narrativa visceral, provocativa, incômoda. Tira o leitor da zona de conforto. Emociona. Faz refletir.

Alcoolismo e contextualização

O livro, mesmo abordando a questão da sexualidade de Shuggie, tem no alcoolismo de Agnes a sua principal questão. O vício da mãe atinge toda a família, e o autor soube trabalhar a abordagem do tema de forma impecável.

Outro aspecto a ser destacado na obra é a correlação do alcoolismo com as questões sociais e a contextualização. Na década de 1980, a Escócia passou por um momento delicado, com o alto desemprego e a perda do poder econômico das famílias. Apesar do foco ser Agnes, em A História de Shuggie Bain é visível como a pobreza, a miséria e o desmantelamento familiar promovem uma desesperada fuga para o álcool e outras drogas. 

Nunca havia lido algo tão impactante e imersivo. Fui completamente dragado para o núcleo familiar dos Bain.

Uma narrativa detalhista

A História de Shuggie Bain é uma trama que preza pelos mínimos detalhes. As cenas são bastante descritivas, tal como as emoções. Todo esse sentimento esmiuçado no texto proporciona uma dramaticidade para a narrativa que arrebata o leitor na problemática dos personagens centrais. Contudo, todo este detalhamento acarreta num ritmo mais lento de leitura. 

Particularmente, não vejo como um problema. Uma vez que foi uma experiência enriquecedora mergulhar no íntimo de cada um dos personagens. Entretanto, acredito que algumas passagens poderiam ser supridas ou conduzidas de outra forma.

Qual história vai ser contada?

Ao longo da leitura de A História de Shuggie Bain, me questionei diversas vezes qual seria a proposta do livro: retratar como todos os familiares foram impactados pelo alcoolismo de Agnes, contar a história de Agnes e seu vício em álcool ou o drama de Shuggie em ter que lidar com a sexualidade e a mãe alcoólatra. Na minha opinião, ficou confuso decifrar a proposta do autor e, independentemente de qual seja – ou todas elas- , nenhuma delas alcançou a sua plenitude. 

 

Lendo a sinopse, entendi que o foco era em como Shuggie lidaria com os seus dilemas, além de ver a pessoa que mais ama – a mãe – se deixar levar pela bebida e ter que assumir a responsabilidade por seus cuidados. No entanto, grande parte do livro é sobre Agnes Bain: seus anseios, fracassos, amores, inseguranças e decepções. Ao dar ênfase nas perspectivas de Agnes, Douglas Stuart faz com que a personagem da mãe, além de exercer a função de elo dos conflitos familiares, se sobressaísse e dominasse a narrativa como um todo.

Mesmo que a vida de um alcoólatra reverbere em toda a família e, de certo modo, o alcoolismo do ente passe a ser a sua história também, o olhar de Shuggie deveria prevalecer sobre Agnes. Todavia, fico num conflito, pois, ao destacar a perspectiva de Agnes – que, ao meu ver, foge da premissa do livro -, Stuart chega ao ápice do seu brilhantismo. Não me leve a mal, Shuggie é muito bem desenvolvido e os seus dilemas bem construídos e problematizados, porém, Agnes é a verdadeira titular da história.

A História de Agnes Bain 

Agnes Bain é uma mulher sonhadora. Uma mãe corajosa que desistiu de um casamento com filhos, o que não foi bem visto pela família, para viver um novo amor, que, no fim, não deu certo. Abandonada pelo segundo marido, ela vê aos poucos a sua vida ruir, os filhos fugirem, a miséria e o abandono. Corroída pela solidão e a vergonha,  Agnes se entrega ao álcool e, nessa fuga, ela não só perde a dignidade, mas, principalmente, o amor próprio.

Sem dúvidas, Agnes é o centro da trama. O centro de todos os conflitos familiares. É uma personagem de uma riqueza impressionante. Tanto na descrição minuciosa dos seus dilemas e sentimentos, quanto nos diálogos afiados. Ela transborda emoção, comove, provoca as mais diversas reações – seja compaixão, raiva e, infelizmente, pena.

No início da leitura, acreditava que Agnes era apenas o elo da trama – o impacto de uma mãe alcoólatra na vida de Shuggie Bain -, mas ela acaba sendo maior que o livro inteiro. 

Sentimento dúbio

A História de Shuggie Bain é uma trama com personagens fortes, que comove e envolve o leitor na minuciosa e sensível abordagem sobre o alcoolismo. Douglas Stuart tem um brilhantismo incontestável para retratar o tema, entretanto, o texto é um pouco difícil de ler. Tive a sensação de que a narrativa não foi bem conduzida; tentou florear muito e, às vezes, faltou objetividade, sobrando excessos.

Ao longo da leitura, tive sentimentos dúbios em relação à obra. Ora eu estava completamente fascinado com alguma cena ou diálogo, ora eu ansiava pelo fim. Amei certos pontos e não gostei tanto de outros. No fim, não consigo chegar a um veredicto, porém, tenho certeza de que, no meio das mais de 500 páginas, existe uma preciosidade. 

Título: A História de Shuggie Bain Autor: Douglas Stuart | Editora: Intrínseca | Tradutora: Débora Landsberg | Páginas: 528

Apaixonado por histórias, tramas e personagens. É o tipo de leitor que fica obsessivamente tentando adivinhar o que vai acontecer, porém gosta de ser surpreendido. Independente do gênero, dispensando apenas os romances melosos, prefere os livros digitais aos impressos, pois, assim, ele pode carregar para qualquer lugar.

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