Resenhas

O Ano da Graça, de Kim Liggett

O Ano da Graça, escrito por Kim Liggett e lançado pela Editora Alt, vem produzindo um grande alvoroço entre os leitores e é bastante comparado com o já renomado O Conto da Aia, de Margaret Atwood.

“Eu costumava me perguntar como as mulheres fingiam não ver o que acontecia no condado, bem debaixo do nariz delas, mas algumas verdades são tão horripilantes que é impossível admiti-las até para si mesmo.”

 

Em O Ano da Graça, a protagonista é uma menina de dezesseis anos que está prestes a partir de seu condado para um ano em um acampamento com outras meninas da mesma idade. Tierney, assim como as outras garotas, não sabe nada do que realmente acontece nesse ano, pois é proibido a qualquer mulher falar sobre o assunto. Segundo a crença local, todas as mulheres são dotadas de magia e, para se tornarem puras e poderem continuar sua vida em sociedade, precisam se livrar de toda a magia que existe dentro delas através do isolamento forçado durante o chamado “ano da graça”.

Todo ano um grupo vai, ao mesmo tempo em que outro volta, e as meninas que retornam estão sempre em farrapos, desnutridas, algumas com machucados feios e, muitas vezes, com alguma parte do corpo faltando, mas outras também nem chegam a voltar. Várias lendas assolam a cabeça daquelas que ainda não passaram pela experiência, todavia, uma coisa elas sabem: precisam tomar cuidado porque há predadores só esperando para matá-las e vender suas partes no mercado por conterem magia e, quanto mais dor sentirem ao serem mortas, mais forte essa magia é.

O Ano da Graça

“Cabeleira dourada, Eva no trono, empertigada,

A noite chega, à noite venta, e pelos homens amaldiçoados lamenta.

Cuidado, meninas mal-educadas para a tumba serão mandadas.”

 

Aqui em O Ano da Graça vemos bastante como a religião pode ser contornada para fazer prevalecer a vontade de uma minoria masculina que existe nessa sociedade. Mesmo sendo uma sociedade predominantemente feminina, toda a lavagem cerebral em torno principalmente do pecado original faz com que essas mulheres sigam um código de conduta bastante restrito e limitante. As regras também têm o poder de transformar todas elas em inimigas, botando padrões que identificam umas como superiores às outras. Um exemplo é se elas vão ou não receber um véu junto com uma promessa de casamento para quando voltarem de seu ano da graça e se tornarem esposas, o que as torna mais importantes na sociedade do que ser uma leiteira ou trabalhar na moenda. E ainda podem, dependendo do que acontecer, ser mandadas para as margens e se tornarem prostitutas.

A quantidade de provações pelas quais elas precisam passar é surreal, é uma crueldade imensa ao que elas são impostas para que seus espíritos quebrem e se tornem carneirinhos bem comportados que nada discutem e que nada questionam. Toda a falta de companheirismo e união no início de O Ano da Graça mostra como a manipulação pode transformar mesmo um grupo forte em um grupo volúvel e submisso e como é difícil desfazer os padrões aprendidos, mas com jeitinho e cuidado tudo pode mudar e uma irmandade pode florescer.

Ler O Ano da Graça foi, acima de tudo, um modo de refletir sobre a sociedade de uma maneira geral e pensar no quanto ainda temos que evoluir para alcançar uma igualdade de direitos para a parcela feminina da população. Por ser uma distopia, o livro exacerba comportamentos que temos na nossa sociedade, de modo a nos mostrar o quanto certas coisas são injustas e como nós mulheres somos, de maneira geral, desunidas em nossas causas.  O comportamento das meninas no inicio do ano em isolamento demonstra bastante como as mídias tendem a retratar as mulheres como eternas rivais e sem qualquer amizade verdadeira, somente algumas alianças por puro interesse. Ao final do livro, a autora mostra o que podemos alcançar ao colocarmos nossas diferenças de lado e trabalharmos por um bem comum. Se nos unirmos, somos mais fortes e nada nem ninguém é capaz de nos segurar.

O Ano da Graça é um livro para se devorar. Ele traz uma história forte e uma quantidade imensa de reflexão sobre os nossos papéis na sociedade. Com uma fluidez de leitura e com alguns plot twists inimagináveis, é uma obra capaz de conquistar qualquer leitor. Difícil resumir tudo o que absorvi ao ler este livro e, mais ainda, tentar explicar em maiores detalhes sem dar spoilers. O que eu posso dizer é apenas: leiam.

Título: O Ano da Graça | Autora: Kim Liggett | Tradutora:  Sofia Soter Editora: Alt| Páginas: 356

Provavelmente a estranha no ninho do grupo. Menina de exatas no meio da galera de humanas. Uma completa apaixonada por livros que precisa urgentemente diminuir a quantidade de livros que ficaram encalhados na estante.

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