Entrevistas

Coleção Ruído: a mistura entre poesia e crônica de Andréa Gaspar

Conheça a escritora Andréa Gaspar, paulista apaixonada pelo Rio, que transformou a cidade na protagonista de sua obra na Coleção Ruído, lançada pela editora Raiz

A paixão pelas letras de Machado. A inspiração que vem de Drummond. E a sensibilidade compartilhada com Pessoa. Prosa e verso. Poesia e crônica. As palavras que se misturam, enamoram, encantam. Encanto pela vida, pelo cotidiano, pelo Rio de Janeiro. Mesmo sendo paulista. A facilidade de colocar nas páginas seus mais profundos sentimentos e impressões. Andréa Gaspar une emoção e talento numa escrita visceral. Agora, prepara-se para arrebatar os leitores com a sua declaração de amor em forma de crônicas à cidade que a acolheu, no livro Passante Poeta, que integra a Coleção Ruído, da editora Raiz, que será lançada no próximo dia 8 de novembro.

“Sou encantada pelo Rio”, declarou em entrevista ao Vai Lendo. “É um amor antigo, que nasceu, suponho, muito por causa da leitura do Machado justamente. Mas não apenas. Acho que muitos autores brasileiros que narraram o Rio em prosa e verso contribuíram para essa paixão. Depois, ainda criança, vim ao Rio para passar alguns dias de férias e foi muito impactante. Prometi para mim mesma que um dia moraria aqui. E, quando surgiu a oportunidade, não pensei duas vezes. E a cidade – apesar de todos os problemas – não me decepciona. Essa mistura de tintas dramáticas que a colorem e, ao mesmo tempo, a insistência dos tons poéticos que brotam entre morros e mares fazem do Rio uma cidade ideal para quem escreve”.

De fato, Passante Poeta traz um olhar apaixonado, cuidadoso, refinado, quase lúdico, a uma rotina que, para muitos, beira à monotonia. Mas não para Andréa, que soube tirar dos pormenores, dos pequenos prazeres, o belo, um diferencial. Habilidade cada vez mais rara, restrita àqueles que sabem interagir com as palavras. Que encontraram a sua voz em meio a tantas outras, mas também são capazes de usar suas referências na literatura para aprimorá-la.

“Acho que, por natureza, sou poeta”, explicou. “Meu texto é enxuto e sintético. A ação, para mim, nasce a partir da imagem. Então, suponho que esse viés poético predomina no meu texto. Acho que Machado é uma referência muito forte mesmo, exceto pelo fato de que Machado era mais objetivo com a realidade que descrevia. Machado nunca foi um bom poeta, no sentido estrito da palavra. E acho que sofro influência de Drummond, mais do cronista do que do poeta. E certamente de Bandeira, meu poeta preferido. Bandeira tem uma delicadeza quase infantil no olhar que me agrada. Nunca deixar de ver o mundo com essa ingenuidade infantil facilita a existência. E traz uma leveza para o texto que acho essencial. Eu acho que há dois aspectos para serem pensados no que diz respeito à voz autoral: o primeiro é que não existe uma originalidade absoluta. Todo texto trará marcas profundas de outros autores lidos. E o segundo – paradoxalmente – é que não existe o plágio absoluto. Toda produção trará a marca do autor. Ainda que seja um autor inexperiente, ainda que seja um autor pouco habilidoso, a sua voz estará ali. Tão certo quanto o fato de que cada ser humano é único. Então, não me preocupo quanto a isso. Apenas conto a minha história”.

Autora de gêneros que, até então, ainda lutam para conquistar um espaço maior dentro do mercado editorial, Andréa, no entanto, ressaltou a força da poesia e da crônica que, segundo ela, conseguem chegar mais facilmente aos leitores e são capazes de se adaptar melhor a novos formatos. Ela também exaltou a iniciativa da editora Raiz, que chegou ao mercado com o objetivo de oferecer soluções editoriais para autores nacionais e independentes, destacando a importância de esses escritores se unirem e manterem a sua essência.

“Já lancei algumas crônicas e poemas em coletâneas e tenho um romance inaugural que se chama Licor de Pequi“, apontou. “Acho mais fácil emplacar os poemas e crônicas do que o romance. Isso acontece porque modernamente a crônica, mas principalmente a poesia se adaptam melhor às novas mídias. Talvez, como produto, a poesia não venda tanto, mas certamente a poesia é muito mais lida do que o romance. Um livro de poemas não encontra espaço no mercado editorial, mas o poema em si viaja o mundo por outros meios. O mesmo se pode dizer da crônica. Seja na sala de aula, seja numa exame de vestibular, seja nas páginas de um jornal, seja num blog, seja no youtube, no Facebook, no Instagram, as pessoas leem poemas. É um bem imaterial da humanidade, digamos assim. E fazer parte do projeto de uma editora como a Raiz , acho, é o sonho de consumo de todo escritor independente. Eles são cuidadosos com todo o processo criativo do autor. Mas, mais do que isso, eles se importam com o autor, com o conforto do autor, respeitam a essencialidade de cada um. Num mundo cada vez mais robotizado, suponho que encontrar gente habitando corpos é sempre surpreendente. Quero que ganhem o mundo”.

Sendo autora independente, Andréa conhece bem as dificuldades e os obstáculos enfrentados diariamente para fazer a sua obra chegar aos leitores. Por vezes, o caminho é longo, cheio de percalços e, sim, alguns fracassos. E é justamente isso o que Andréa e os outros seis autores da Coleção Ruído vão mostrar no lançamento preparado pela editora Raiz, que será realizado na Livraria da Travessa do Shopping Leblon, Zona Sul do Rio, no dia 8 de novembro. Sob o tema “Como fazer um livro fracassar”, profissionais do mercado e autores pretendem incitar um debate necessário e, até mesmo, incômodo, com o intuito de desmistificar certos conceitos e aproximar leitores, autores e indústria. E qual seria, então, o fracasso favorito de Andréa?

“Meu fracasso favorito, eu teria que dizer, é sempre o próximo fracasso”, indicou. “O processo da escrita é árduo e romantizado. Quando a gente vê filme sobre escritores, tem a impressão de que vivem uma vida de lançamentos regados a vinho e a sucessos editoriais. Mas não é nada disso. Escrever é um ato solitário. E, para além de solitário, é inadiável. Então, estamos sujeitos à ação de duas forças contrárias: por um lado, a necessidade de dizer algo; por outro, essa força gravitacional que prende a caneta no papel e que impede que ela se mova. É um embate. Então, sair de um projeto quase findo para mim é muito difícil. Fico adiando para que aquilo não se acabe. Todo dia uma desculpa para não trabalhar, para não escrever nada. De certa forma, ter alguém que te cobre o fim do livro é bom. Aquilo te impulsiona para frente. Agora, do ponto de vista editorial, eu teria que dizer que resisto um pouco para me promover. O meu primeiro romance tinha uma pegada um pouco autobiográfica. Não é uma autobiografia, mas fica no limite entre o real e o ficcional, e o fato de estar falando de pessoas próximas e, de certa forma, de mim mesma, reforçou essa resistência. Eu gosto do livro. Não adoro, mas, por ser um romance inaugural, acho simpático. Mas de fato não trabalhei o suficiente para que fosse divulgado. Lancei por uma editora portuguesa que não se envolveu tanto com o projeto e acabou ficando por aí nas prateleiras. Quem lê gosta, mas faltou um projeto de divulgação e, nesse sentido, acho que foi um fracasso de vendas. Se a gente pensar no aspecto comercial, apenas. Agora, estou me preparando para lançar o meu próximo romance e quero me assegurar de que não vou cometer os mesmos erros. Por isso, busquei a assessoria da Rosane Nunes, que é uma editora muito competente, apesar de novata no mercado. Mas acredito muito no trabalho dela e acho que, superado esforço criativo individual que é, como eu disse, lento e suado, para mim, o processo de confecção do livro e o lançamento serão mais suaves por causa da parceria com a Editora Raiz”.

E, se é para fazer Ruído, Andréa concluiu que o principal é realizar. Estar ali, estar ligado(a). Colocar a mão na massa e resistir, mesmo que os desafios se acumulem. Porque, uma vez que esse ruído existe, ele pode virar um barulho.

“Espero criar um ruidinho que, juntamente com outros ruidinhos, faça um barulhão”, afirmou. “Tem um texto do João do Rio, de 1903, que se chama o ‘Brasil lê’. Nesse texto, João do Rio, um dos maiores cronistas do Brasil, reclama das mesmas coisas que reclamamos hoje. Se tirássemos a data e atualizássemos o estilo, poderíamos dizer que foi escrito hoje. Escrever no Brasil é e sempre foi um ato de resistência. Mas acho que no mundo também. A arte sempre foi e sempre será um exercício de resistência. É inerente ao trabalho artístico. Eu me lembro de estar vendo uma entrega de Oscar, e a repórter perguntar para o George Clooney: ‘nossa, a cada ano você concorre numa categoria diferente, como ator, produtor, diretor… Como é que é isso?’. E ele respondeu: ‘não é fácil sobreviver neste mercado’. Bom, o cara é o George Clooney. A realidade dele é a americana e ele acha difícil sobreviver, então…O mais importante é ter a oportunidade de realizar, de estar. E acho que é isso o que a Raiz proporciona: a possibilidade de nós existirmos. Para mim, é mais do que suficiente. O resto é decorrência”.

Jornalista de coração. Leitora por vocação. Completamente apaixonada pelo universo dos livros, adoraria ser amiga da Jane Austen, desvendar símbolos com Robert Langdon, estudar em Hogwarts (e ser da Grifinória, é claro), ouvir histórias contadas pelo próprio Sidney Sheldon, conhecer Avalon e Camelot e experimentar a magia ao lado de Marion Zimmer Bradley, mas conheceu Mauricio de Sousa e Pedro Bandeira e não poderia ser mais realizada "literariamente". Ainda terá uma biblioteca em casa, tipo aquela de "A Bela e a Fera".

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