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Segredos de Família, de Lisa Wingate | Resenha

‘Segredos de Família’: a realidade que vira ficção numa trama desesperadora e hipnotizadora

Famílias despedaçadas. Crianças separadas de seus pais e irmãos. Infâncias perdidas. Vida alteradas ou, até mesmo, interrompidas. Parece história de filme, mas infelizmente é baseada na vida real mesmo. O sequestro e a venda de crianças pobres para famílias ricas inspirou Lisa Wingate a escrever o alucinante Segredos de Família, best seller com mais de um milhão de exemplares vendidos nos Estados Unidos, publicado aqui no Brasil pela Globo Livros.

O ano é 1939, em Memphis. Conhecemos a história da jovem Rill Foss, de apenas 12 anos, e seus quatro irmãos menores, que vivem uma vida feliz a bordo de um barco no rio Mississípi. Até que sua mãe, grávida, tem complicações no parto e precisa ser levada às pressas para o hospital. Enquanto Rill tomava conta das outras crianças, homens estranhos invadem o barco, tiram Rill e seus irmãos de sua família e os levam para orfanato no Tennessee, onde eles precisam enfrentar a cruel diretora da instituição, que lidera um esquema impiedoso de tráfico de crianças. Já nos tempos atuais, mais precisamente na Carolina do Sul, Avery Stafford vem de uma família rica e poderosa e aparentemente não poderia querer mais nada da vida. No entanto, ao voltar para sua cidade Natal para ajudar o pai, um político que lida com um escândalo público e uma doença, ela tem um encontro casual com uma senhora que a leva a uma jornada pelo passado de sua família. Essas histórias farão Avery, inclusive, repensar todas as suas escolhas e questionar as suas próprias verdades.

Segredos de Família é um livro incômodo, pungente. E total e completamente hipnotizante. É daquelas histórias que não conseguimos nem queremos largar. Precisamos urgentemente descobrir o que mais vai acontecer, desvendar as ligações, e ansiamos pelas reviravoltas que Lisa nos oferece de maneira brilhante. Há algum tempo um livro não me deixava tão nervosa, tão angustiada e vidrada. Eu literalmente aproveitava qualquer momento, qualquer tempo livre para mergulhar novamente nas páginas e absorver toda a profundidade da história de Rill, Avery e milhares de outras crianças que viveram aquele pesadelo. Minha nossa, é tão assustador! Mais ainda por saber que tudo isso não é ficção, mas a realidade nua e crua. A diretora do orfanato, de fato, existiu e saber disso quebra o meu coração. Só de pensar, sequer imaginar o terror que ela fez tantas crianças e adolescentes passarem, chego a ficar enjoada. É revoltante, para dizer  o mínimo.

Para não estragar a trama, muito menos a construção da narrativa, irei me concentrar apenas nas minhas impressões a respeito de Rill e Avery, porque, se eu começar a falar das outras personagens, confesso que tenho quase certeza de que não conseguirei me segurar, de tão empolgada, e posso acabar dando algum spoiler ou deixando alguma brecha para vocês. Com Rill, descobrimos os pavores e a parte sombria da história, dos crimes bárbaros, da impunidade, da injustiça. Rill é apenas uma criança, mas com personalidade e responsabilidade de gente grande. De alguém que precisou crescer cedo para tentar manter a família unida. Dá vontade de chorar e de abraçá-la ao acompanharmos a sua triste trajetória e a de seus irmãos e testemunhar toda a sua força e coragem, apesar da pouca idade. É com Rill que Lisa nos dilacera ao detalhar com extrema precisão e veracidade tudo o que acontecia naquele orfanato.

Já com Avery, Lisa nos traz questões atemporais, como a preocupação com o status, a posição e outros dilemas familiares. E, embora as necessidades de sua importante família permeiem constantemente os pensamentos e escolhas de Avery, dentro de uma realidade bastante conservadora (a clássica família sulista dos EUA) e, até mesmo, intimidadora para quem está de fora, ela não deixa de mostrar também a sua própria personalidade e essência, arriscando-se a bater de frente com os valores pelos quais sempre foi levada a agir em nome de um “bem maior” – no caso, a família e sua posição influente. E isso faz Avery ganhar muitos pontos com a gente, uma vez que a sua jornada em busca da verdade sobre o passado é instigante, reveladora e surpreendente. Muitos méritos para Lisa que, através das transições temporais e alternância entre protagonistas, impõe um ritmo frenético e arrebatador à história. É tudo muito real, tudo muito verdadeiro e nada delicado. E nem poderia ser. Não há sutilezas. Não pode haver omissões. Lisa sabe disso e nos passa isso.

Segredos de Família traz, no final, uma nota incrível e esclarecedora da autora sobre os acontecimentos e os crimes que atormentaram milhares de famílias por anos. É chocante, desesperador, porém, de extrema importância. Essa história, ou melhor, essas histórias precisam ser contadas, desvendadas. E Lisa Wingate cumpre um papel fundamental nesse sentido e nos presenteia com um livro muito rico em detalhes, com personagens cativantes e uma trama de tirar o fôlego. Sem dúvida, uma das melhores leituras do ano, até o momento.

 

Jornalista de coração. Leitora por vocação. Completamente apaixonada pelo universo dos livros, adoraria ser amiga da Jane Austen, desvendar símbolos com Robert Langdon, estudar em Hogwarts (e ser da Grifinória, é claro), ouvir histórias contadas pelo próprio Sidney Sheldon, conhecer Avalon e Camelot e experimentar a magia ao lado de Marion Zimmer Bradley, mas conheceu Mauricio de Sousa e Pedro Bandeira e não poderia ser mais realizada "literariamente". Ainda terá uma biblioteca em casa, tipo aquela de "A Bela e a Fera".

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