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O legado de Tolkien

No Dia do Orgulho Nerd, conversamos com o editor da HarperCollins Brasil, a nova casa de publicação de um dos maiores escritores dos últimos tempos e mestre da fantasia, sobre as edições repaginadas, as obras inéditas e a importância do escritor para a literatura mundial

Visionário, respeitado, uma referência. A criatividade e a inteligência o tornaram um dos maiores escritores de todos os tempos. Sua imaginação e capacidade de criar mundos extraordinários, as mais variadas línguas e os mais célebres personagens o alçaram ao posto de precursor da literatura fantástica – sendo, inclusive, o mais bem-sucedido do gênero. Por falar nisso, foi ele quem abriu as portas para que inúmeras gerações pudessem desbravar este tipo de literatura. Afinal, quem não gostaria de se aventurar na Terra-Média? Vocês já devem imaginar de quem estamos falando. E, neste 25 de maio, Dia do Orgulho Nerd, decidimos homenagear aquele que se tornou um ícone não apenas para estes leitores, esta cultura, mas para todos os que apreciam a sua vasta e importante obra: J.R.R. Tolkien.

Para isso, nada melhor do que conversar com quem, acima de tudo, é fã do escritor e tem propriedade para falar sobre a importância de Tolkien. E, acima de tudo, defender o seu legado. Como Samuel Coto, Gerente Editorial da HarperCollins Brasil, que recentemente adquiriu os direitos pela publicação das obras do escritor e, além de dar um novo tratamento às já lançadas, confirmou também que irá lançar os livros ainda inéditos. E, no que depender da editora, todo esse trabalho fará jus ao autor, principalmente para ajudar a resgatar o valor literário da obra de Tolkien, além da fantasia.

Foto: Arquivo pessoal

“Essa repaginada passa pela parte visual do projeto, mas principalmente pela parte textual”, explicou Samuel em entrevista ao Vai Lendo. “A gente vai construir a casa do chão para cima. Serão traduções totalmente novas. Queremos repensar desde a base. Passa também pelo tratamento estético, é claro. Prometemos todos os livros com tratamento diferenciado, capa dura, todos vão ter o mesmo tamanho e formato para os leitores poderem colocar na estante e ficar bonito, padronizado. O papel será aquele amarelado. Vamos fazer algo luxuoso, mas com preço acessível. Estamos prometendo o que já fazemos de padrão na editora. Tem a questão do tratamento da obra. Eu sou muito fã do Tolkien, o meu anel de casamento foi feito pelo pessoal que fez os anéis do filme, minha lua de mel foi na Nova Zelândia. Fui criado no exterior e tive o Tolkien como parte da minha formação de cânone literário no colégio. No Brasil, a gente tem um histórico com esses livros posterior aos filmes. Mas, dadas as proporções, o Tolkien é o nosso Guimarães Rosa, principalmente por essa questão da linguística. Ele faz parte desse cânone literário. Ele é muito mais sinônimo dos grandes nomes do cânone, como Shakeaspeare. Claro que ele também tem essa importância, essa outra associação, principalmente aqui no Brasil nós temos esse entendimento, mas ele tem um valor literário lá fora também como parte do cânone, que é algo que a gente quer ajudar a resgatar”.

E esse resgate, adiantou Samuel, passa por todas as esferas, incluindo a maneira como os livros são apresentados ao público. Por isso mesmo, segundo ele, a HarperCollins Brasil tem toda uma preocupação de como irá abrir as portas desse universo infinito de Tolkien aos novos leitores.

“Você, hoje, tem um público que principalmente foi apresentado aos livros por causa dos filmes, então, tem o trabalho de fazer a porta de entrada para as pessoas mais jovens”, declarou. “Como elas estão sendo apresentadas aos livros não só através da associação direta com os filmes, mas também da sua formação literária. Tem a ver com o ambiente acadêmico e já estamos com um grande apoio para isso, fazendo eventos para que Tolkien seja algo levado a sério nas academias também. Queremos expandir os públicos. Tolkien tem várias portas de acesso. Os filmes são uma porta de acesso. Tem outras. Como a literatura infantil, começando pelo O Hobbit, que é o livro mais acessível, além de outros desdobramentos”.

Mesmo com todo o cuidado e o objetivo de expandir esse público, Samuel também ressaltou que a HarperCollins está focada em atender aos leitores fiéis de Tolkien. Tanto que as obras inéditas previstas são voltadas principalmente para quem já tem um conhecimento do conjunto da obra. Tudo isso para destacar a relevância do autor no mercado editorial. Dentre os títulos já confirmados estão A Queda de Gondolin, prevista para 30 de agosto, em lançamento mundial – aliás, ele destacou, esta será a primeira vez que um livro de Tolkien será lançado simultaneamente no Reino Unido e no Brasil -, e Beren e Lúthien, previsto para novembro.

“As obras inéditas que vamos lançar são para as pessoas, que de certa forma, já são iniciadas em Tolkien, iniciadas na literatura dele. Ter visto o filme não é o suficiente para entender porque não tem como saber o enquadramento dos personagens e como eles estão relacionados ao filme. Tem que ter lido, pelo menos, O Silmarillion para entender inteiramente. As obras inéditas são principalmente para quem é fã, conhece e gosta. A forma como queremos apresentar aos novos  públicos é, primeiro, tornar disponível algumas das obras que são importantes para que diferentes leitores conheçam. Há versões das obras voltadas para o público infanto-juvenil que queremos lançar, além do History of Middle Earth (História da Terra-Média), que é um tratado mais acadêmico do que qualquer outra coisa, para quem está estudando mais a fundo Tolkien para um mestrado ou doutorado. Só de produzir essas obras você já está apresentando para um novo público. O trabalho, por outro lado, é também criarmos novas narrativas. Porque temos uma narrativa única, por enquanto. Estamos fazendo edições especiais e pensadas para quem é mega fã. Para não ter defeito. Até o nosso processo editorial das novas traduções é pensar nos mínimos critérios. Temos um conselho de especialistas que está discutindo literalmente cada termo, palavra, tradução de termo para chegarmos a um consenso. E algumas dessas discussões estão levando dias. Isso quer dizer que, com certeza, vamos agradar quem é muito fã. Mas também há outras narrativas que podemos criar. Fazer eventos e explicar a importância e relevância do Tolkien para a história da literatura. Porque ele é muito mais importante do que só na conversa da literatura de fantasia. Tem muito mais lá. O Tolkien tem uma profundidade e densidade no universo fantástico dele muito maior, tem um estudo linguístico nisso”.

Falando de fã, é fato que os leitores assíduos de Tolkien possuem um alto nível de exigência, no que diz respeito ao cuidado e ao tratamento de suas obras. Como atender a uma demanda tão específica e a expectativas tão elevadas? Só existe uma maneira e aparentemente a HarperCollins já sabe disso: trazendo esse público para participar de todo o processo.

“Nós já fizemos eventos para falar sobre Tolkien e as obras e estamos tentando incluir a voz de todos, até quem está participando do conselho”, disse. “Como já falei, eu também sou fã e acompanho o que as pessoas falam de todas as edições, desde antes de sabermos que iríamos publicar aqui.  Então, eu tinha alguma ideia do que era esperado pela maioria. Vamos publicar agora a biografia autorizada em agosto (J.R.R. Tolkien e C.S. Lewis – O Dom da Amizade, de Colin Durez), em agosto. Era outra coisa que os fãs falavam. Tentamos incluir todos os grandes canais sobre Tolkien no processo de produção do livro. Os grandes canais, os grandes veículos de discussão estão diretamente envolvidos nessa tradução, fazem parte da nossa equipe e, nesse sentido, acho que estamos conseguindo agrupar condições para eles sentirem que essas edições são deles também e vão ser, com certeza.  As decisões editoriais que estamos tomando são fruto de coisas que ouvimos as pessoas falarem. Estamos tentando incluir todo mundo no projeto, o máximo possível”.

Como um dos principais nomes da literatura de todos os tempos, não apenas do gênero fantástico (Tolkien perde apenas para Dom Quixote e para a Bíblia em números de livros vendidos individualmente com O Senhor dos Anéis), Samuel reiterou que a HarperCollins entende a importância e a responsabilidade que tem em mãos e firmou como objetivo ajudar a obra de Tolkien a atingir um potencial que a editora acredita poder ser ainda maior no Brasil. Por isso mesmo, os fãs ainda terão que esperar um pouco para segurarem as novas edições de O Senhor dos Anéis e o próprio O Hobbit (previstas para o ano que vem), por exemplo, porque a HarperCollins tem como desafio aliar o prazo com a qualidade que esses livros (e os leitores) merecem. Mas será que, com todo esse cuidado, com todo o valor histórico e literário que Tolkien possui, todo o seu legado, ele também sofre com o preconceito reservado ao gênero? Infelizmente, sim. E tudo isso, apontou Samuel, gerado por falta de conhecimento.

Foto: divulgação HarperCollins Brasil

“Queremos começar do zero, repensar tudo”, afirmou. “Um dos desafios do projeto como um todo é que ele seja naturalmente viável, mas que nós consigamos fazer com a máxima qualidade possível. Como fãs, queremos contribuir para o legado desses livros de maneira positiva. É uma quebra de braço para lançar o mais rápido possível e conseguir manter a qualidade. Eu acho que vai valer a pena esperar. Quem já conhece sabe que eles têm alguns problemas que precisam ser consertados e também de atualizações de texto. Agora, quanto ao preconceito, uma das principais razões é que a fantasia tem um sucesso principalmente midiático, em forma de filme. Criou-se um senso de que é cultura popular e não necessariamente alta literatura. E alta literatura é algo naturalmente mais elitizado. Você quer poder ler mais do que os outros, ler algo que os outros não entendem e, quando vira algo pop, parece que não é isso. Mas há também um fundamento de pensamento e pesquisa e consciência profissional muito maior. De qualquer forma, eu acho que está mudando um pouco também porque as pessoas estão começando a poder falar com maior profundidade sobre essas coisas, defenderem melhor os valores dessas coisas. Um dos grandes desafios que o Tolkien enfrentou foi a falta de porta vozes para essa literatura. Eram poucos porta vozes e com plataformas pequenas. Agora com o Youtube, as redes sociais, as pessoas têm voz para explicarem porque é tão profundo, complexo e interessante, porque tem um valor literário. É por aí. Tem que dar voz às pessoas que amam essas coisas para conseguir quebrar um pouco o preconceito. Mas isso não quer dizer que ainda não tenha preconceito de acharem que o Tolkien não é literatura. Ainda é um obstáculo a se vencer. É falta de conhecimento, de verdade”.

Mesmo com todo o preconceito, a paixão que Tolkien desperta em seus leitores é indiscutível. E o valor de suas obras para a literatura, imensurável. Tolkien é atemporal, infinito. Único e inesquecível.

“Uma vez que você entra nesse universo, é meio infinito o aprendizado” concluiu Samuel. “É muito profundo. Você explora um dos cômodos da casa e descobre outros totalmente diferentes, outras linhas para você se aprofundar. O que causa essa paixão é que Tolkien tem muitas frentes e para pessoas com perfis diferentes. Ele reunia tantos elementos para alguém com talento para linguística, alguém de exatas para análises, artistas plásticos, tem o elemento visual também, a parte literária dele, de construção de narrativa. Há ainda a questão histórica. Desde mitologia nórdica até história medieval inglesa, e por aí vai. Tem tanta coisa que você consegue andar pela casa por um ano sem aprender tudo. Por isso que Tolkien também desperta esse interesse tão intenso, que faz algumas pessoas se aprofundarem tanto”.

Jornalista de coração. Leitora por vocação. Completamente apaixonada pelo universo dos livros, adoraria ser amiga da Jane Austen, desvendar símbolos com Robert Langdon, estudar em Hogwarts (e ser da Grifinória, é claro), ouvir histórias contadas pelo próprio Sidney Sheldon, conhecer Avalon e Camelot e experimentar a magia ao lado de Marion Zimmer Bradley, mas conheceu Mauricio de Sousa e Pedro Bandeira e não poderia ser mais realizada "literariamente". Ainda terá uma biblioteca em casa, tipo aquela de "A Bela e a Fera".

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