Resenhas

Janelas da Mente, de Ana Beatriz Barbosa Silva e Eduardo Mello Guimarães | Resenha

A mente humana é algo que me fascina! Muito por sua complexidade e por provocar diversas variações comportamentais. E, num mundo que aparenta estar cada vez mais insano – no qual as pessoas buscam incessantemente a felicidade, o sucesso, num curto espaço de tempo – parece difícil ser normal e não ter sequer uma disfunção. Mas, afinal, o que é a normalidade? Mergulhando dentro da mente humana, a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, em parceria com o roteirista Eduardo Mello Guimarães, escreveu Janelas da Mente, obra que reúne 12 contos de ficção que abordam diversos transtornos, como consumismo, hiperatividade, depressão, ninfomania etc.

E, para aproveitar o lançamento de Janelas da Mente, a Globo Livros propôs aos parceiros que falassem um pouco sobre cada conto. Assim, o Vai Lendo vai começar, a partir desta segunda (25), a soltar mini-resenhas sobre os textos. Além da avaliação crítica, busquei trazer algumas das reflexões que tive ao terminar a leitura de cada história.


Como já falei anteriormente, é sempre muito difícil resenhar um livro de contos, pois cada trama tem uma estrutura, personagens, abordagem e desenvolvimento próprios. E, claro, tem sempre aquele conto do qual gostamos mais. Entretanto, apesar destas nuances, Janelas da Mente é uma obra bem coesa com a sua proposta e de leitura cativante. Acreditem, mesmo se tratando de histórias independentes, é difícil largar o livro!

No geral, a escrita de Ana Beatriz Barbosa Silva e Eduardo Mello Guimarães é bem objetiva. Sem muitas firulas, eles refletem, em cada conto, um tipo de comportamento humano (ou distúrbio, como queiram chamar). A intenção dos autores não é aprofundar – debater – os transtornos em si, mas relatar situações de pessoas que sofrem de determinado mal. Tenho certeza de que o leitor irá se identificar com alguns contos de Janelas da Mente. Até porque, por mais loucas que sejam algumas tramas, elas não estão tão longe assim da realidade. E relatar isso, incorporando ao cotidiano, acredito que seja o principal intuito de Janelas da Mente. Então, vamos falar destes distúrbios:

Mentes apagadas



Logo de cara, o conto me pegou de jeito. Muito provavelmente porque, assim como os personagens, tive que lidar com o mal de Alzheimer na minha família. Vou ser honesto, esta é uma das doenças que eu mais temo. Não só por perder as lembranças e, de algum modo, um  pouco da essência de “quem eu sou”, mas porque todos ao redor acabam adoecendo. De certa forma, você vai morrendo aos poucos. É muito triste!

De todos os contos do livro, Mentes Apagadas foi o único que eu achei que faltou desenvolvimento. Na verdade, acho que gostaria de um livro inteiro sobre Matheus e seu avô. A relação dos dois é de um amor que transborda as páginas. A narrativa é muito tocante. Gostaria de acompanhar cada etapa desse processo. Por mais triste que seja, acho que Matheus teria um crescimento incrível para contar ao público.

OBS: não sei se a minha experiência de vida foi muito particular, porém, a doença que presenciei se desenvolveu muito lentamente. No conto, me pareceu algo muito rápido. Eu não sei se há casos “fulminantes”, por assim dizer, de Alzheimer, mas acredito que seria mais crível apresentar, mesmo num texto curto, uma certa passagem de tempo.

Mentes obsessivas

Fixação. A mente humana, quando cisma com alguma coisa, parece que não consegue ver nada além daquilo. O conto fala basicamente de duas obsessões, apesar de uma ser mais nítida. E, se você acompanha um certo tipo de programa na TV a cabo, vai matar a charada imediatamente. O que eu achei uma pena! Gostaria de ficar com um certo mistério até o final. Apesar disso, a história da família de classe média carioca é bem crível, por mais surreal que seja o distúrbio, e de fácil identificação do público. Tive uma vizinha, inclusive, que tinha um comportamento suspeito nesse sentido…

Mentes disformes

A ditadura da magreza é algo que não dá mais para disfarçar. Está aí, só não vê quem não quer. Afinal, o que levaria uma pessoa, até então bem resolvida com o corpo, aos 40 anos, decidir fazer uma bariátrica? Mais do que apresentar como a mente humana distorce a percepção do corpo (e como isso acontece!), é possível sentir nas entrelinhas como a magreza está, em grande parte, associada a um determinado padrão de beleza.

Mentes que amam demais

Não tem como falar em mentes que amam demais e não lembrar da personagem Heloísa, da novela “Mulheres Apaixonadas”. Quem é da época, sabe! Ficou muito marcante. E não tem como ler o conto Mentes que amam demais e não lembrar da obra de Manoel Carlos. No entanto, se você acha que conhece tudo deste conto só pelas primeiras páginas, engana-se. O final é surpreendente! Vai te deixar de queixo caído! O “amor”, às vezes, pode ser aterrorizante.

Mentes consumistas

Ao ler este conto, eu descobri uma outra realidade: a riqueza! Sério, não fazia ideia de quanto se podia gastar em uma ida ao shopping. Fiquei bolado! O interessante da abordagem de Mentes consumistas é que os autores, além de trabalhar os fatores que levam uma pessoa a comprar compulsivamente, também trazem uma reflexão sobre cadeia produtiva, transformando em ficção um caso conhecido dos noticiários mundiais.

Mentes depressivas

A depressão é uma doença séria. Silenciosa. Difícil de detectar. Acho sempre válido debater o tema e fiquei surpreso como a mente depressiva pode alterar fatores físicos. Foi tão surreal na minha concepção, que até duvidei se os autores não fantasiaram demais. Mas, como aprendi neste livro, a mente humana é capaz de feitos incríveis e, como os contos apresentados refletem casos de distúrbios aparentemente “reais”, só me restou ficar chocado. De todos os contos, Mentes depressivas foi o que, em termos narrativos, menos me engajou.

Mentes jogadoras

Quem nunca acordou um dia e se sentiu sortudo(a) ou, até mesmo, azarado(a)? E aqueles “abençoados”, que sentem que a sorte sempre os acompanha? Ela pode estar em nós mesmos, em uma pessoa/objeto ou em um número. No caso de Mentes jogadoras, o ZERO! Adorei a dinâmica narrativa deste conto, pois apresenta bem a problemática e prende a atenção do público. No fim, ainda dá um alerta do que não fazer para ajudar viciados (não se preocupem, não é aquele didatismo chato).

Mentes Jogadoras nos brinda também com um personagem interessantíssimo: Luiz Paulo. Fiquem ligados no seu comportamento. Ele é bem controverso e, mesmo quando tenta ajudar o outro, ainda se apega bastante às questões de sorte/azar. Gosto deste contraponto.

Mentes sexualizadas

O conto mais quente de Janelas da Mente é também o que eu achei mais fora de contexto. Acho que ele cabe mais como mentes perigosas do que a questão sexual. Tudo bem que o livro relata um casal, digamos assim, viciado em experimentar coisas novas. Mas a essência desenvolvida na obra é a maldade. Acredito que o ideal (e desculpem eu me meter na criação) seria apresentar pessoas que só pensam em sexo e, por causa disso, têm as suas vidas devastadas. Elas mesmas sendo responsáveis por sua própria degradação. Não por um ato maldoso de terceiros. Apesar disso, em termos narrativos, Mentes sexualizadas é um ótimo conto.

Mentes paranoides

O mais louco dos contos de Janelas da Mente. Quem curte teoria da conspiração tem que tomar cuidado na leitura (brincadeira, risos). Um detalhe que passa batido no conto, mas que chamou muito a minha atenção foi a reflexão em torno da preocupação dos pais de filhos dependentes (em todos os sentidos) em como será a vida dos rebentos após a sua morte.  Mesmo não sendo o foco aqui – o acontecimento é apenas relatado -,  fiquei pensando muito sobre o assunto após a leitura.

Mentes paranoides chega a ser bem previsível em um detalhe que aparentemente funcionaria como algo revelador, no entanto, o final me arrebatou. Apesar de ser um caso extremo, mostra que não somos totalmente imunes a este mal.

Mentes hiperativas

Um dos grandes problemas atuais! Inclusive, acredito que sofra um pouco desse mal da hiperatividade (confesso!). Temos tantos sonhos e objetivos a realizar que é impossível fazer tudo em apenas uma vida. Pior que, assim como a protagonista do conto, nós sempre acreditamos que podemos abdicar de algumas coisas para atingir uma meta. Só que depois vem outra meta… E outra… É uma loucura!  A história de Mentes Hiperativas é bem cativante, e o leitor consegue acompanhar como a busca pelas realizações profissionais pode excluir o indivíduo de todas as outras coisas que a vida pode nos dar. A narrativa também aborda muito a questão do tempo. É bem reflexiva!

Mentes perigosas

A maldade está em todo o lugar. Então, desconfie! Mas, calma, nada de paranoia, como já foi comentado aqui, em outro conto de Janelas da Mente. Só cuidado com as pessoas que se aproximam de você, afinal, vai que você se depara com a Vanessa, de Mentes perigosas, que, depois de uma noite de amor, faz uma limpa na sua conta bancária?

A leitura do conto é bem envolvente, no entanto, algumas ações são pouco críveis (principalmente o desfecho). Será que alguém seria ingênuo(a) o suficiente para cair em certas “conversinhas”? Pior que, por mais surreal que seja, não duvido de que casos similares tenham acontecido na vida real. Temos a tendência de acharmos que somos bem espertos, mas podemos ser presas fáceis de golpistas. A confiança em excesso pode permitir certos deslizes. Como a nossa mente nos prega peças!

Mentes em pane

Um desfecho em grande estilo. O último conto de Janelas da Mente, Mentes em pane, vai falar de um dos grandes males deste século: a síndrome do pânico. Por mais que muita gente não leve a sério, o problema é grave. Cada vez mais escuto casos de pessoas que sofrem deste transtorno e, inclusive, já presenciei um surto. O cérebro é algo fascinante e misterioso. Ainda me pergunto como ele consegue causar sensações de aparente derrame, crise alérgica, infarto ou sei lá mais o quê. É muito louco!

A forma como os autores desenvolvem a narrativa é intrigante, principalmente o personagem que sofre deste mal e a amiga que o ajuda. São dois opostos que casam perfeitamente com a temática, além de propor alguns questionamentos filosóficos. Um dos contos mais reflexivos.

Apaixonado por histórias, tramas e personagens. É o tipo de leitor que fica obsessivamente tentando adivinhar o que vai acontecer, porém gosta de ser surpreendido. Independente do gênero, dispensando apenas os romances melosos, prefere os livros digitais aos impressos, pois, assim, ele pode carregar para qualquer lugar.

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