Resenhas

A Amiga Genial, de Elena Ferrante | Resenha

‘A Amiga Genial’: uma narrativa arrebatadora e catártica, de uma maneira ou de outra

Uma amizade verdadeira – verdadeira MESMO – é algo raro. Daquelas que você guarda e cuida com toda a atenção e carinho, sabendo de sua importância. Um verdadeiro amigo é aquele que faz a gente crescer, aprender, evoluir. Que chora, ri, ouve e fala. Que briga e pega no colo. Por isso mesmo, uma obra como A Amiga Genial, primeiro volume da série napolitana escrita por Elena Ferrante e publicada pelo selo Biblioteca Azul, da Globo Livros, é quase um soco no estômago. Uma representação fria e quase cruel de uma amizade – se é que podemos chamar assim – que resiste ao tempo… E à vida.

Nesse primeiro livro, começamos a conhecer a história de Elena e Lila, desde a infância das meninas até os seus 16 anos. A trama se desenvolve a partir das memórias relatadas por Elena, anos depois, quando Lila resolve simplesmente desaparecer, sem deixar rastros. Conhecendo a amiga, Elena não se conforma com a sua atitude e decide escrever a história de ambas para provar que Lila não apenas existiu e existe, como também segue firme em seus pensamentos e coração. Ao revirar o passado, somos transportados junto com suas lembranças para a Nápoles de 1950, um cenário pós-Segunda Guerra Mundial, numa vizinhança pobre, machista, conservadora na qual as meninas cresceram e foram descobrindo as mazelas da vida.

Há tempos queria ler Elena Ferrante – pseudônimo de uma escritora italiana que prefere viver e escrever no anonimato – e principalmente os livros dessa tetralogia. E que surpresa. Sinceramente, o primeiro volume não foi o que eu esperava. Longe disso. Foi um turbilhão de emoções, uma avalanche de sentimentos. Fui arrebatada e catapultada pela escrita densa, crua e verdadeira da autora. Li pouquíssimas obras da literatura italiana, e Elena Ferrante mexeu comigo de muitas maneiras. Confesso que inicialmente estranhei um pouco a sua narrativa direta e quase sem diálogos, mas não demorou muito para que a sua capacidade de contar uma história apenas através das memórias da protagonista me envolvessem. Senti que estava também vivendo através das recordações de Elena Greco.

A maneira como Elena – a autora, não a protagonista – descreve aquele tempo, aquela realidade, choca. Anestesia. Uma época em que aqueles que conseguiam prosseguir nos estudos, especialmente as  mulheres, eram considerados exceções e não regras. Como se estudar fosse um luxo, algo tão distante e sem importância para aqueles indivíduos. Uma época em que as mulheres praticamente não tinham – ou melhor, não podiam ter – vontade e opinião próprias. Uma época em que os desafetos não demoravam a chegar às vias de fato. Uma época em que duas meninas encontraram uma na outra uma espécie de fortaleza, de porto seguro para conseguirem sobreviver e seguirem em frente.

Contudo, não se iludam. A Amiga Genial do título, em minha humilde opinião, de genial não tem absolutamente nada. Sim, as duas meninas são inteligentes e esforçadas. E correm atrás de seus objetivos. Mas a que preço? E objetivos de quem? Sinceramente, não consegui vislumbrar uma amizade, no sentido mais pleno da palavra. O que eu percebi foi uma relação completamente tóxica, disfuncional, egoísta e de total dependência uma da outra. Inveja, frustração e muito amargura de ambas. Como se uma só conseguisse evoluir se passasse por cima da outra. Se fosse melhor do que a outra. Isso me incomodou profundamente. Não consegui me conectar com elas. Às vezes, até achei que chegava a ter pena. Mas nem isso. Fiquei foi irritada mesmo pela mesquinharia de uma, pela submissão da outra. Talvez, porque eu não esteja acostumada a um relato tão escancarado, tão denso e tão frio de uma relação humana. Eu sou romântica, gente. Tentei, inclusive, levar em consideração o fato de que essas atitudes, essas personalidades e esse turbilhão de sentimentos são de crianças e posteriormente de adolescentes, num cenário de total subversão de valores. Mas acredito que a essência das duas não irá mudar. E isso, penso, pode ser tão instigante quanto decepcionante.

Entendo que esse primeiro livro tenha sido uma espécie de introdução não apenas às personagens, mas principalmente para nos ajudar a entender os motivos e os caminhos que levaram as duas até onde elas se encontram atualmente e que fizeram Lila querer desaparecer. Estou bastante curiosa para os próximos livros. De uma maneira ou de outra, Elena Ferrante marca a gente profunda e intensamente.

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Jornalista de coração. Leitora por vocação. Completamente apaixonada pelo universo dos livros, adoraria ser amiga da Jane Austen, desvendar símbolos com Robert Langdon, estudar em Hogwarts (e ser da Grifinória, é claro), ouvir histórias contadas pelo próprio Sidney Sheldon, conhecer Avalon e Camelot e experimentar a magia ao lado de Marion Zimmer Bradley, mas conheceu Mauricio de Sousa e Pedro Bandeira e não poderia ser mais realizada "literariamente". Ainda terá uma biblioteca em casa, tipo aquela de "A Bela e a Fera".

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