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Com ‘Dois Irmãos’, Globo dá início ao projeto ‘Assista a Esse Livro’

Em evento de divulgação da série, Globo apresentou projeto desenvolvido em parceria com a Companhia das Letras que irá disponibilizar obras clássicas da literatura brasileira já adaptadas para a TV em formato digital com cenas conectadas

Estimular a leitura no Brasil é um desafio árduo e constante, que requer muita paciência e principalmente criatividade. Ainda mais com as novas tecnologias e a internet que ajudam a transformar a experiência literária em algo além do que “apenas” virar as páginas. Os profissionais do mercado literário e também da indústria da comunicação sabem que para atingir o público e, acima de tudo, formar novos leitores é preciso se adaptar a essa nova tendência aliada à interatividade. Pensando nisso, a Rede Globo desenvolveu o projeto Assista a Esse Livro, que tem início com o lançamento da minissérie Dois Irmãos, previsto para janeiro de 2017. Uma das propostas da iniciativa é disponibilizar novas edições de títulos já adaptados para a TV em formato de e-books com cenas conectadas, em parceria com a Companhia das Letras.

Exposição de figurinos das obras clássicas já adaptadas fazem parte do projeto
Exposição de figurinos das obras clássicas já adaptadas fazem parte do projeto/ Foto: Globo/Kiko Cabral

 

Além de uma exposição de fotos e figurinos de clássicos literários adaptados, bate-papo criativo sobre a história do figurino, uma nova edição do “Caderno Globo” abordando o tema e debates sobre a relação entre a literatura e a TV, como o que ocorreu nesta quarta-feira, dia 7, no Instituto Europeo di Design (IED), no Rio de Janeiro. Intitulada “Literatura e Dramaturgia”, a conversa contou com a participação do escritor Milton Hatoum (autor do livro Dois Irmãos que originou a série), da roteirista e autora da minissérie homônia, Maria Camargo, do autor Fernando Bonassi e do jornalista e editor Paulo Werneck e mediação do também jornalista e escritor Edney Silvestre. Para Hatoum, tanto as adaptações quanto o projeto têm um papel fundamental na reaproximação dos leitores com algumas obras clássicas, bem como a renovação de público. O escritor também garantiu que não se sentiu “traído” com as modificações necessárias na sua narrativa para o formato televisivo, até porque, ele apontou, o livro não vem no formato de roteiro e os dois processos são bem diferentes.

Milton Hatoum, autor do livro 'Dois Irmãos'
Milton Hatoum, autor do livro ‘Dois Irmãos’ /Foto: Globo/Kiko Cabral

“Você não escreve um romance pensando num filme ou numa série, nenhum dos meus romances eu pensei que seria adaptado para a TV ou o cinema”, afirmou Hatoum. “Eu não me senti traído porque houve uma confluência de pessoas maravilhosas que quiseram trabalhar nessa adaptação. E isso está maravilhoso. Antes mesmo de começar a minissérie, já temos leitores. Pensar que as pessoas estão relendo e outras que ainda vão ler o romance antes mesmo de começar a série… Certamente, a esperança, agora falando do hiperlink, é que alguns leitores que só leem best-sellers, por exemplo, migrem a sua lista de livros também para Dois Irmãos ou para outros livros que já foram adaptados. Com certeza, isso vai acontecer. Eu até brinco que, se leem Dois Irmãos, daqui a uns anos vão ler Grande Sertão: Veredas. A minissérie é um alcance enorme. Eu não estava preparado para isso também. O escritor brasileiro escreve num cantinho, aí, de repente, terá não sei quantos milhões de espectadores e alguns deles vão se interessar pelo romance. É um ponto positivo para a literatura. Mas o fundamento disso é a escola. Como a nossa escola pública é precária, não temos tradição de leitores bem formados e nem de leitores, propriamente. Mas acho que uma minissérie tem esse poder de chamar um certo tipo de leitor que está acostumado a outros tipos de livros. Dois Irmãos, por sua vez, já chegou a 170 mil exemplares, o que é um milagre para o Brasil. Nos quadrinhos, por exemplo, eu vejo isso. Alguns fãs de quadrinhos disseram que leram o romance por causa dos quadrinhos. É essa relação. É um caminho possível para conquistar um leitor que pode, de fato, se tornar um leitor’.

A roteirista Maria Camargo levou 15 anos para conseguir adaptar o livro de Hatoum para a TV
A roteirista Maria Camargo levou 15 anos para conseguir adaptar o livro de Hatoum para a TV/Foto: Globo/Kiko Cabral

Maria Camargo, por sua vez, batalhou por 15 anos para conseguir levar a obra à TV e contou que a sua obsessão pelo livro – que ela mesma já leu 26 vezes – foi também o seu maior desafio, uma vez que, por admirar tanto o texto de Milton, sentia o receio de não conseguir transformá-lo num roteiro “à altura”. Em relação às modificações, a roteirista explicou que foram necessárias, à medida em que as maneiras de contar as histórias num livro e na TV são distintas e possuem suas próprias especificações. Ela ainda destacou a necessidade de se trabalhar não apenas na formação dos leitores, mas também dos espectadores para que haja maior compreensão de ambos os tipos de textos e suas devidas alterações.

“O Milton diz que não se sente traído porque foi tudo com amor (risos)”, declarou ela. “De fato, não é traição, mas uma recriação, um outro original que se tem que fazer. Isso é difícil. Estou partindo de algo que existe e que eu amo. Então, é difícil porque você já tem uma devoção à obra. Antes de eu comprar os direitos, eu dava de presente para todo mundo. Queria fazer uma minissérie porque queria que o livro do Milton chegasse ao maior número de pessoas possível. Quero que outras pessoas sintam essa paixão. Esse era o objetivo. Mas aí você pensa: ‘se eu tenho uma coisa que eu amo tanto, porque eu vou fazer algo a mais e diferente disso?’. Então, quando você começa o trabalho com as cenas, você percebe o que está funcionando ou não. Se aquela fala funcionando exatamente daquele jeito, as cenas… Eu precisei criar uma nova imagem, em alguns momentos, para ser fiel ao que acontece no livro. Mas eu sofro com isso porque é algo bonito e eu tenho que fazer. O processo de escrita de um roteiro é muito difícil e de uma narrativa também, porém, são bem diferentes. Eu fico pensando se vou conseguir, mas é assim mesmo. Uma página depois da outra, uma linha depois da outra. Tem que ter uma convicção em algum lugar de que vale a pena continuar e que isso tudo vai dar em algum lugar. E trabalhar a formação não só do leitor, mas do espectador também. A maior parte das coisas que vemos não têm a sofisticação do texto do Milton. E essa sofisticação está mantida na série. Eu tentei alcançar essa sofisticação, mas criando uma outra linguagem. Então, temos a chance de pescar aí um outro espectador ou de fazer esse espectador que está acostumado a ver algo mais simplificado. Entrar com Dois Irmãos e colocar imagens com essa riqueza, outras camadas, é muito importante, tanto quanto alcançar outros leitores. Ajuda a sofisticar e isso é muito necessário”.

 

Fernando Bonassi, comparou o trabalho de adaptação a uma “engenharia”, já que você precisa construir um roteiro que “dará vida” a algo novo, mesmo sendo de uma obra adaptada.

“Sempre se tem uma posição diante de qualquer conteúdo”, explicou ele. “É só você achar outros jeitos de fazer as coisas. Tem que encontrar uma em que você tenha o desprendimento em relação ao tempo. Uma coisa que é um porre é que a gente tem que desmontar o livro. Você escreve o roteiro antes de filmar. Tem que planejar uma obra de arte antes de ela ser feita. É um exercício puramente mental. A adaptação é uma obra de engenharia. O bom roteirista é aquele que possui uma imaginação visual fértil e que entende o texto”.

Fernando Bonassi, Paulo Werneck e Edney Silvestre
Fernando Bonassi, Paulo Werneck e Edney Silvestre/Foto: Globo/Kiko Cabral

Por outro lado, Paulo Werneck atentou que atualmente o meio literário busca propositalmente o maior número possível de adaptações. De acordo com ele, isso pode empobrecer o romance, pois acaba criando uma “receita de um romance audiovisual”. Werneck também reiterou a importância de se pensar no trabalho literário como algo coletivo, sem restrições à tecnologia e aos novos formatos, para que o livro possa realmente ser acessível e ocupar um lugar no centro da cultura.

“A carga artística do trabalho que a gente vê hoje em Dois Irmãos é resultado de uma soma do que o Milton, a Maria, o Luiz e toda a equipe fizeram”, indicou ele. “Cada um se preocupou em ir na direção do outro, dentro das suas próprias atribuições, e não em ir numa direção já pronta. Você não escreve pensando na tela, como o Milton falou. A gente precisa saber olhar para essas coisas sem pensar nas tecnologias narrativas, vamos chamar assim, sem pensar que elas estão em competição. A minissérie tem o tempo do romance. O tempo da fruição, o tempo que o espectador leva para fruir a expectativa. Talvez, estejamos vivendo um momento histórico de compatibilização desse tempo. Quando pudermos fazer a maratona de Dois Irmãos no Globo Play, vai ser como enfiarmos a cabeça no livro e não largarmos mais. A gente está acostumado a ver o escritor como uma figura solitária, mas a gente sabe também que o trabalho literário é, sim, colaborativo. Tem os tradutores, as adaptações, assim como foi o processo de tantos anos com a Maria. Essa noção coletiva do trabalho é muito interessante para nós da indústria. Acho esse projeto (do Assista a Esse Livro) de extrema importância porque, se o livro tem um lugar muito periférico na sociedade, quando uma instituição como a Globo afirma a centralidade do livro na sua história, completa isso com uma tecnologia como essa e permite que essa narrativa ganhe o mundo, é um compromisso daqueles que muitas instituições do Brasil estão deixando de fazer, que é colocar o livro no lugar central da cultura”.

Matinas Suzuki, da Companhia das Letras
Matinas Suzuki/Foto: Globo/Kiko Cabral

Matinas Suzuki, da Companhia das Letras, ratificou a importância do projeto como uma forma de perpetuar a literatura brasileira.

“Me dá uma esperança enorme quando você vê que a Literatura quer continuar, quer seguir, mesmo com todas as mudanças”, concluiu. “Ela segue nos filmes, nos games. De uma certa maneira, passa esse recado de querer continuar. O grande desafio é como a gente mantém ela viva. E uma das soluções é esse projeto. Muitas obras vão sobreviver na cabeça das pessoas por causa disso. Essa memória é muito importante. Uma maneira de preservar esse grande acervo, o tesouro dos autores brasileiros. Não tínhamos como ficar de fora desse projeto. É uma honra e um prazer estar aqui tentando defender a boa literatura e levá-la ao maior número de brasileiros”.

Para conferir o debate na íntegra é só clicar aqui.

Jornalista de coração. Leitora por vocação. Completamente apaixonada pelo universo dos livros, adoraria ser amiga da Jane Austen, desvendar símbolos com Robert Langdon, estudar em Hogwarts (e ser da Grifinória, é claro), ouvir histórias contadas pelo próprio Sidney Sheldon, conhecer Avalon e Camelot e experimentar a magia ao lado de Marion Zimmer Bradley, mas conheceu Mauricio de Sousa e Pedro Bandeira e não poderia ser mais realizada "literariamente". Ainda terá uma biblioteca em casa, tipo aquela de "A Bela e a Fera".

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