Entrevistas

Entrevista: Thereza Christina Rocque da Motta

A editora Thereza Christina Rocque da Motta conversou com o Vai Lendo sobre a sua admiração pela obra de Anne Morrow Lindbergh e falou sobre o longo processo de tradução dos poemas da escritora norte-americana

 

A sensibilidade de uma artista virou inspiração para outra. E, da admiração pela obra, veio um trabalho igualmente delicado e de extrema dedicação. A editora e tradutora Thereza Christina Rocque da Motta lançou O Unicórnio e Outros Poemas, única obra de poesia de Anne Morrow Lindbergh, pela Ibis Libris Editora. Responsável pela tradução e apresentação do título, Thereza faz uma verdadeira homenagem à mulher cuja vida sempre lhe despertou o interesse. E não pense que foi uma tarefa fácil, pois ela levou nada menos que 40 anos para finalizar o processo de tradução e pesquisa. Porém, Thereza garantiu que era necessário se aproximar da idade em que Anne escreveu os poemas, para “poder ter maturidade para traduzi-los e lançá-los, depois de rigorosa revisão”. Em conversa com o Vai Lendo, a editora comentou sobre seu fascínio pela obra de Anne, a publicação de O Unicórnio e Outros Poemas e a sua visão a respeito do gênero poesia no mercado editorial.

Thereza
Thereza Christina Roccque da Motta, tradutora de ‘O Unicórnio e Outros Poemas’, lançado pela Ibis Libris Editora/Foto: Divulgação

Vai Lendo – Você ficou fascinada pela história de superação de Anne Morrow (cujo primogênito foi raptado e morto, em 1932), e consequentemente por sua obra. Mas, em sua opinião, o que difere a escritora das demais? É o estilo da escrita? O teor de sua obra?

Thereza Christina: Quando li pela primeira vez os poemas, aos 18 anos, fiquei encantada com a mensagem em seu primeiro poema O homem e a criança, em que ela estabelece a diferença entre os dois. “É o homem em nós que tem medo”, ela diz na primeira estrofe e depois “É a criança em nós que ama”, ela conclui no final do poema. Impossível não se encantar com tamanha simplicidade e palavras certeiras. E esse fascínio se repete ao longo de todos os 35 poemas do livro, relatando a dor pela perda do filho raptado, o dia a dia que nos prende a nosso afazeres, a liberdade do amor, a ausência dos pais, histórias de anjos e de família que estão presentes em cada poema, contos de fada com A Pequena Sereia e A Bela Adormecida, e seu lado religioso em poemas como Peregrino, Dia de Todos os Santos e Santo de nossos dias, em que fala de São Cristóvão.  O estilo claro e definido de Anne Morrow Lindbergh fez com que eu me apaixonasse por sua poesia, e encanta a todos que a leem, além de sua mensagem ensurdecedora. Ela grita dentro de cada poema para que nos tornemos mais leves, mais amorosos, mais gentis. É a leveza com que diz isso que contribui para tornar sua poesia única.

Vai Lendo – Por que você decidiu traduzir essa obra?

T.C.: A decisão de traduzir os poemas de Anne nasceu da necessidade de publicá-los em português, para que mais pessoas a conhecessem, pois havia somente dois outros livros dela publicados no Brasil, Presente do mar, em prosa poética, e Cenas de um casamento, reflexões sobre um dia de casamento americano, usando a fala do padre, “Estamos aqui reunidos…” (Dear beloved, título do livro em inglês), para separar os capítulos. O livro foi publicado em 1956 e nunca havia sido traduzido, por serem poemas, além da dificuldade de transpor corretamente as imagens com termos que traduzissem, em nossa língua, a mesma beleza da descrição em inglês. Eu aceitei o desafio por gostar muito dos poemas, apesar da dificuldade inerente à tradução.

Vai Lendo – Como foi esse longo processo de tradução? Afinal, trabalhar em cima de algo por 40 anos exige muita determinação e principalmente amor pelo objeto de estudo. Quais foram as suas principais dificuldades nesse trabalho?

T.C.: De fato, somente iniciei a tradução após a primeira tentativa – aos 18 anos – traduzindo três poemas iniciais, em 1976, com 38 anos, após o aniversário de 90 anos da autora, em 22 de junho de 1996, quando finalizei a tradução em três semanas, revisando-os por sete meses seguidos. Porém, não fiquei totalmente satisfeita e, cada vez que relia, encontrava acertos que deveria fazer para afinar a tradução. A principal dificuldade foi encontrar as palavras certas para expressar o sentimento da autora. Eu entendi que só consegui traduzi-los na segunda tentativa, porque havia atingido a mesma idade da autora quando escreveu os poemas. Aos 18 anos, eu ainda não tinha a vivência para poder escrever do mesmo modo que ela. Aos 38, eu já tinha a experiência necessária para poder traduzir os poemas da mesma forma como ela os escreveu. Estudei a sua vida, li seus livros de cartas e diários, aproximei-me da mulher que vivera no olho do furacão, desde que tivera seu filho primogênito de 20 meses sequestrado do berço em sua casa, em New Jersey. A dor dessa perda é indescritível e irreparável, mas, apesar disso, ela parecia ter superado o que parecia impossível enfrentar. Vivera ao lado do marido, o famoso aviador Charles Lindbergh, que atravessara em 33 horas e meia o Oceano Atlântico, em 1927, de Nova York a Paris, e ela mesmo o acompanhou em diversos voos pelo mundo. Foi uma pioneira em todos os sentidos. Essa imagem de mulher à frente de seu tempo me fez me apaixonar por sua poesia, que, por si só, já é um encantamento. Falar dela sempre causa um espanto e um alumbramento.

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Vai Lendo – Como foi a recepção do público em relação a esse trabalho? Você já teve algum retorno?

T.C.: Eu percebi que quem leu também se encantou com a poesia de Anne. Desde que anunciei que estava preparando o livro para publicação, em 2010, quando comprei os direitos de publicação, muitos se impressionaram com os poemas. Eu precisei me tornar editora para poder comprar os direitos de tradução e publicação do livro. Em 1996, quando os traduzi, eu não poderia tê-los publicado senão através de uma editora. Tive de esperar 14 anos para atingir o meu sonho e, depois, mais cinco para imprimi-lo. Eu ainda não tinha concluído a revisão, que me custou um bocado de tempo, por isso, não pude lançá-lo em seguida. Outros problemas retardaram a edição do livro, que decidi lançar este ano para comemorar os 110 anos de nascimento de Anne, em 2016, e 15 anos de sua morte, em 2001. O retorno tem vindo de cada pessoa que o lê e que me relata a experiência da leitura. Meu amigo João Luiz de Souza, o João do Corujão, passou uma madrugada lendo o livro todo, porque não conseguia largá-lo. E me disse que era o livro de poesia mais lindo que havia lido este ano. Esse elogio me aqueceu o coração. Fiquei feliz de ter concluído este trabalho e trazido a lume um livro de poesia que me acompanhou por 40 anos e me inspirou com muitos dos seus poemas para que finalmente inspirasse outras pessoas que não o conheciam, apesar de lançado há 60 anos, nos EUA. O presidente da Academia Brasileira de Letras, Geraldo Cavalcanti, a quem também dei o livro, me disse que o poema que lhe dá título, O Unicórnio cativo, foi o primeiro poema apresentado num exercício de tradução que ele fez, na década de 1950. Astrid Cabral também conhecia o livro, que lhe foi recomendado por uma amiga que o traduzisse por se aproximar de sua poesia. De fato, Anne se assemelha tanto a mim quanto a Astrid. Leyla Lobo e William Soares dos Santos leram O Unicórnio e outros poemas fazendo anotações e discutindo comigo sobre a tradução, além de lerem alguns dos poemas no evento “Corujão da Poesia e Universo da Leitura”, promovido pela Universo (Universidade Salgado Oliveira), na Livraria Saraiva Leblon. Leila Oli também o leu no evento e descobriu nele o poema A pequena sereia, que remete ao seu livro lançado há um ano, A Sereia do Rocha.

Anne Morrow Lindbergh
Anne Morrow Lindbergh

Vai Lendo – Você também escreve poesia? Já teve algum livro publicado ou tem a ideia de publicar? O que falta para esse gênero (poesia) ganhar mais espaço no mercado editorial?

T.C.: Escrevo poesia desde os 15 anos e comecei a publicar meus poemas aos 22 anos, em antologias, de um grupo de poetas da Universidade Mackenzie, onde estudei Direito. Continuei publicando até 1982, depois de me formar, e retomei em 1995, quando voltei a publicar meus livros de poesia. Hoje são 20, ao todo. Abri a Ibis Libris Editora em 2000 justamente para publicar livros de poetas do Rio de Janeiro, com a experiência trazida de São Paulo, do tempo das cooperativas para publicação de livros de jovens poetas na década de 1980. A Ibis Libris tem, hoje, 320 títulos publicados e metade é de poesia, principalmente os primeiros livros. Eu mesma inflacionei um bocado o mercado de livros de poesia, fosse com novos autores ou com poetas traduzidos, de Shakespeare a Michael Jackson. O mercado de livros de poesia sempre existiu, esta é uma das razões da Ibis Libris. E existe desde que comecei a publicar meus livros, em 1980. Só pensa que poesia não vende quem não vende poesia. Eu vendo poesia há 35 anos. Para os livros de poesia falta, às vezes, divulgação, o que tem sido conseguido em sites, blogs e redes sociais. A autopublicação tem sido um meio bastante utilizado também. Há uma demanda de livros de poesia que só pode ser atendida se houver livros de poesia postos à venda. Eu tenho fornecido esses novos livros e muitas edições já se esgotaram, claro que nas devidas proporções. Para quem procura um selo de poesia, eu tenho trabalhado nesse sentido desde que lancei o primeiro livro da editora, de Ricardo Muniz de Ruiz, Poesia profana, em agosto de 2000. Os poetas estão aí, basta publicá-los e lê-los. O mercado se aquece naturalmente quando se produzem novos livros, divulgando-os pelos meios existentes. Os e-books, os blogs, os sites, as redes sociais, o Instagram cumprem seu papel de divulgar a poesia, mas o livro continua sendo um objeto necessário.

Jornalista de coração. Leitora por vocação. Completamente apaixonada pelo universo dos livros, adoraria ser amiga da Jane Austen, desvendar símbolos com Robert Langdon, estudar em Hogwarts (e ser da Grifinória, é claro), ouvir histórias contadas pelo próprio Sidney Sheldon, conhecer Avalon e Camelot e experimentar a magia ao lado de Marion Zimmer Bradley, mas conheceu Mauricio de Sousa e Pedro Bandeira e não poderia ser mais realizada "literariamente". Ainda terá uma biblioteca em casa, tipo aquela de "A Bela e a Fera".

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *