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Nós, os Afogados, de Carsten Jensen | Resenha

‘Nós, os Afogados’: uma saga marítima de gerações, uma odisseia dinamarquesa

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‘Nós, os Afogados’, de Carsten Jensen / Divulgação

A resenha de hoje é do livro Nós, OS AFOGADOS, de Carsten Jensen, publicado recentemente pela editora Tordesilhas.

Nós, OS AFOGADOS é uma narrativa histórica, que compreende mais ou menos cem anos de história – de 1848 a 1945 –, girando em torno da pequena cidade dinamarquesa de Marstal, uma típica cidadezinha de marinheiros, onde ir para o mar era não apenas o sonho, mas também a principal opção de futuro para os seus homens desde a mais tenra idade. Todo o livro gira em torno de seus acontecimentos, seus cidadãos, seus problemas, suas vitórias e seus mistérios.

O primeiro aspecto para o qual eu gostaria de chamar a atenção é para o título da obra: Nós, OS AFOGADOS. Tenho que dar o braço a torcer e dizer que, dentre todos os títulos de obras que já li, este está entre os melhores. Este título explica perfeitamente bem e com uma poética simplicidade tudo sobre o que livro inteiro fala. Basta uma análise superficial para que percebamos quem são os narradores.

Os próprios marinheiros, cuja sina quase inevitável é perecer nas águas sobre as quais navegam, ou seja, se tornarem AFOGADOS. Diante dessa certeza, a visão da vida de um marinheiro muda completamente. Sim, é uma vida com muitas viagens e muitos prazeres. Mas é também pesada e muito, muito cruel. E o livro contradiz a ideia de que a vida de um marinheiro é marcada pela liberdade, assim como pela ignorância do próprio sujeito. Claro, esses marinheiros retratados no livro são sim homens broncos, rudes e, muitas vezes, mal educados. Mas seria um erro dizer que são burros. De fato, esses marinheiros mostram uma sabedoria simples e verdadeira, que vale a pena ser relatada. E, certo, os marinheiros estão sempre viajando, conhecendo novos lugares, na imensidão do mar… mas dentro de um navio, obedecendo as ordens de um superior – e mesmo esse superior está preso à sua posição de comando e à solidão a qual ela lhe atira.

Somente em um determinado e breve momento a narrativa foi delegada a um único personagem, Albert Madsen. Mas sobre ele, falarei mais à frente.

Inevitavelmente, a narração nos leva a um tópico que, por sua vez, também é muito interessante. O fato de o narrador nunca ser plenamente identificado – salvo o breve momento em que Albert é quem fala – faz com que toda a trama se torne uma grande teia, na qual tudo o que é narrado está irremediavelmente interligado. Mas é uma teia cheia de mistérios. Porque não se sabe quem está narrando exatamente. Não se sabe até onde se extende o conhecimento desse misterioso grupo de narradores.

Mas, apesar de ser um livro predominante sério e trabalhoso, devo dizer que possui algumas pitadas de humor sagaz.

Mas e quanto a Albert Madsen, que protagoniza uma boa parte da obra? Sim, de início, eu pensei que Albert fosse o personagem principal e me preparei para ler tudo sobre ele até a última página do livro. Perto do meio do caminho, notei que não seria possível. Foi um choque, devo dizer, perceber que Albert – sobre quem eu vinha lendo desde a sua mais tenra idade – não era o protagonista. Mas apenas um exemplo. Foi quando percebi que tudo o que eu vinha concluindo a respeito da temática do livro estava errado.

Não havia um personagem principal. Não um personificado, pelo menos.

Inicialmente, achei que o livro abordaria a história da Dinamarca de maneira geral. Logo, ficou claro que estava errada. Então, passei a acreditar que se tratava da narração, feita por terceiros, de um diário ou, quem sabe?, um tipo de testemunho a respeito de um único marinheiro – tendo em vista o intervalo em que a narrativa se concentrou unicamente na vida de Albert Madsen. Estava errada de novo. Por fim, precisei que o próprio livro me apresentasse a resposta. O objetivo não eram os personagens, sequer a Dinamarca, ou a pequena cidade de Marstal – que brilhou em muitos momentos. O foco estava no tempo. O objetivo era narrar um período e mostrar as mudanças causadas nesse intervalo.

Sinceramente, eu nunca indicaria esse livro para um leitor inexperiente, pois é uma obra densa demais, com muitas filosofias e reflexões – que fazem muito sentido, na verdade.

Eu diria que Nós, os AFOGADOS é um livro com o qual o leitor pode aprender a entender um tipo de pensamento completamente diferente do que uma sociedade urbana está acostumada. Na verdade, o livro apresenta muitas filosofias e ideias que fariam em um bem danado para a grande maioria que as lesse.

E se eu dissesse que este é o meu tipo de livro, estaria mentindo. Mas também não posso dizer que não gostei. Sinto que cresci com essa leitura e a recomendo a todos aqueles que se sentirem aptos a tentar.

Ao final do livro, a impressão que tive foi que fiquei horas sentada ouvindo uma longa e rica história saindo diretamente da boca de um grupo genuíno de marinheiros, que de histórias para contar, estão cheios. Não foi uma impressão ruim, de maneira nenhuma. Obrigada, Carsten Jensen.

Mas se você pretende ler esse livro com o intuito de aprender tudo sobre a anatomia de um navio, ou mesmo a diferença entre estibordo e bombordo, desista. Porque o objetivo não é esse.

Quanto ao trabalho da editora, digo que eu não poderia reclamar nem mesmo se quisesse – os livros são sempre muito bem feitos, muito bem acabados, tem belas capas, uma boa diagramação e revisão. Sem falar que eu nunca vi um livro dessa editora que não possuísse um enredo muito rico. Nós, OS AFOGADOS mantém essa característica. Posso dizer com confiança que o histórico da Tordesilhas comigo é impecável. E impecável ele continua.

Para terminar, reforço o que disse anteriormente. Nós, OS AFOGADOS é um livro, eu diria, cheio. Muito denso, embora não possa dizer que é complicado de ler. Mas é uma obra rica em material histórico, literário, narrativo e filosófico. E a todos aqueles que sentirem algum tipo de empatia com tais características, eu os convido a tentar a leitura.

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