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Quando Finalmente Voltará a Ser Como Nunca Foi, de Joachim Meyerhoff | Resenha

‘Quando Finalmente Voltará a Ser Como Nunca Foi’: uma trama que aflora sensibilidade

Imagine passar a infância dentro dos muros de um hospital psiquiátrico. Um mundo onde as diferenças são vistas com naturalidade, sem aquele “medo” e repulsa que geralmente acomete as pessoas. Em Quando Finalmente Voltará a Ser Como Nunca Foi, escrito por Joachim Meyerhoff e publicado pela editora Valentina, o leitor é imerso neste universo, guiado por aquele que talvez tenha o olhar mais puro, livre de preconceitos: a criança.

Filho do diretor de uma instituição psiquiátrica com mais de 1.200 pacientes -em sua maioria crianças e adolescentes-, o nosso pequeno herói não conhece outra realidade. Enquanto não está na escola, desfruta do seu tempo brincando e explorando os limites dos muros do hospital. Um mundo limitado, mas, nem por isso, menos interessante. Envolto em um ambiente familiar que seria “comum”, se não fosse pelo local em que está, acompanhamos a rotina de um pai extremamente ocupado, que gosta de se isolar na leitura e nos estudos. Sabe muito da teoria, mas na prática é um fracasso; de uma mãe que é o oposto do companheiro. Faz tudo muito bem, além de organizar as tarefas diárias. No entanto, priva seus sentimentos em prol da família; dois irmãos mais velhos que se dedicam com afinco a seus hobbies, mas para Joachim – nosso protagonista (mesmo nome do autor… Coincidência?) – só reservam maldades; e, como não poderia faltar, o nosso guia da trama, o caçula que tem dificuldades com as letras e que, às vezes, é tomado por uma grande ira.

Além deste núcleo familiar composto de personagens ricos e interessantes, Quando Finalmente Voltará a Ser Como Nunca Foi ainda nos presenteia com alguns outros bem especiais: os pacientes do hospital. Eles não têm o aprofundamento que, enquanto leitor, almejava, mas dão um toque à narrativa. Porém, apesar de encantadores e com muito potencial, o grande trunfo da obra é a beleza como ela é narrada. O olhar do nosso herói é tão envolvente que todo o resto fica ofuscado.

O autor consegue passar, através do olhar de uma criança, uma leveza incrível nos dramas familiares e nos acontecimentos dentro daquela, por assim dizer, “prisão”, repleta de dor e de sofrimento. Meyerhoff é capaz de nos deixar com um nó na garganta e, em poucas páginas depois, nos fazer gargalhar. Sério, eu nunca havia passado por essa experiência de ter uma crise de riso durante uma leitura. Por isso, me sinto na obrigação de mencionar a encenação natalina no hospital. É fantástica! Genial! Só de lembrar, fica difícil controlar o riso.

Já que falei do ápice do humor, me sinto na obrigação também de comentar o momento em que a obra me pegou de jeito mesmo. Fiquem tranquilos, não vou dar spoiler. Pelo menos, assim espero. Quando Finalmente Voltará a Ser Como Nunca Foi acompanha o crescimento de Joachim e, como era de se esperar, existe uma mudança na percepção conforme a idade avança. Nesta transição, em um dado momento, ele confronta o olhar do passado com o presente da narrativa. Não é tão óbvio como o título pode sugerir. É bem sutil. E toca bem no fundo. Não vou entrar em maiores detalhes, mas ali o autor tem o seu auge ao expressar com cuidado e sensibilidade a visão de um menino perdendo a essência da infância.

Ao terminar a leitura de Quando Finalmente Voltará a Ser Como Nunca Foi, fui consumido por um misto de satisfação, pela forma como a narrativa foi exposta, e, ao mesmo tempo, por um vazio. Eu me envolvi tanto na história, que fiquei com um sentimento de lacunas não preenchidas em relação a alguns personagens e fatos narrados. Entendo que a obra é construída por lembranças e que nem sempre é necessário (e possível) esmiuçar tudo, porém, algumas passagens deveriam ser melhores desenvolvidas.

Fiquei refletindo muito após a conclusão do livro, se realmente existiam esses buracos ou se o problema era do leitor aqui, afinal, lembranças não seguem uma linearidade e nem precisam ser amarradas. Até demorei para escrever a resenha por conta disso, pois isso mudaria completamente o tom argumentativo. Como não cheguei a nenhuma opinião consolidada, deixo aqui em aberto, apenas compartilhando com vocês a minha dúvida. Mas, é claro, se me encontrasse com o personagem, pediria maiores detalhamentos e explicações.

Para finalizar, preciso falar da parte gráfica. Nunca me atenho a este detalhe nas minhas resenhas, mas achei tudo muito delicado. Parece que cada parte mínima do livro foi pensada e adaptada para fazer referencia à história: do título escrito de forma torta na parte superior aos números que indicam as páginas rabiscados. A capa é de uma sensibilidade incrível. Fiquei por um tempo só observando e filosofando sobre a sua relação com a trama.

Quando Finalmente Voltará a Ser Como Nunca Foi não só mostra a vida de uma família que vive dentro de um hospital psiquiátrico – por mais que esse seja o principal chamativo da leitura-, mas também as relações no seu íntimo e o conceito de normalidade. Mostra como a visão de mundo vai se transformando no passar dos anos e que tudo é efêmero. Um dia vai embora, restando apenas boas lembranças.

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Apaixonado por histórias, tramas e personagens. É o tipo de leitor que fica obsessivamente tentando adivinhar o que vai acontecer, porém gosta de ser surpreendido. Independente do gênero, dispensando apenas os romances melosos, prefere os livros digitais aos impressos, pois, assim, ele pode carregar para qualquer lugar.

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