Resenhas

Sem Olhar Para Trás, de Lycia Barros | Resenha

‘Sem Olhar Para Trás’: uma leitura dura, emocionante e extremamente necessária

A dor da mulher que vê o seu sonho se tornando o seu pior pesadelo. A mulher cujo príncipe se transforma no vilão de seu conto de fadas. Aquela que sofre sozinha, sente medo, humilhação, dor, mas que também encontra forças e coragem de onde nem poderia imaginar e tenta seguir em frente, superar o trauma e acreditar novamente no ser humano, no amor. Recomeçar. Essa situação infelizmente é mais comum do que podemos imaginar e Lycia Barros sobre trazer esse assunto tão importante e complexo em seu novo livro Sem Olhar Para Trás, publicado pela editora Valentina.

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Na trama, Agatha é uma mulher que fugiu de casa ainda muito jovem para viver uma grande paixão. Porém, logo, ela descobre que seu marido é um homem violento e possessivo, capaz de fazer qualquer coisa, incluindo mantê-la prisioneira em sua própria casa, seu próprio casamento. Após 10 anos de muita dor, física e emocional, ela vê uma oportunidade de fugir com o filho ao receber um pequeno sítio de herança, numa cidade do interior. Lá, ela tenta reconstruir a sua vida, confiar novamente nas pessoas, fazer novos amigos e finalmente encontrar o amor. No entanto, as tão sonhadas paz e felicidade ainda seguem ameaçadas, e Agatha terá que reunir forças e reencontrar a sua fé para se livrar do perigo.

Por mais difícil que seja ler algo a respeito da violência contra a mulher, qualquer obra, qualquer meio que traga o assunto à discussão é válido, é fundamental. E Lycia Barros não poderia fazer isso de maneira mais verdadeira, mais direta, mais visceral e, até mesmo, natural. Natural porque sua escrita simplesmente flui e nos conecta intimamente à Agatha e à sua realidade cruel. É impossível não ser arrebatada pela narrativa sensível e também extremamente detalhista e objetiva da autora. Nós torcemos por Agatha, sofremos (e muito) com ela e, acima de tudo, lutamos com ela. Tudo através de páginas escritas com tanto cuidado e paixão, que sentimos isso em cada diálogo, em cada cena que mexe profundamente com as nossas emoções.

Sem Olhar Para Trás Foto 1

Lycia não se omite quanto à realidade e as consequências do tema proposto, mas ainda assim consegue encontrar sutilezas para aquecer os nossos corações com um romance emocionante e surpreendente. E com personagens tão bem construídos, que não pude deixar de me sentir parte daquela “família” recém-encontrada por Agatha naquele cidadezinha. Seu Pedro, Dona Gema, Bianca, Sarah, até seu Afonso. Que delícia “conhecer” aqueles que representam o lado mais bonito e amoroso das pessoas e que, assim como Agatha, nos fazem acreditar na humanidade. É impressionante como esses personagens “secundários” dão o equilíbrio necessário a uma trama densa e, por incrível que pareça, conseguem deixar tudo mais leve.

Sem Olhar para trás imagem 3Agatha é uma mulher como qualquer uma de nós. Ela é determinada e resolve correr atrás dos seus sonhos, acreditar no amor e viver uma grande paixão. Até perceber que as coisas não seriam exatamente do jeito que imaginava e ser submetida a uma situação que ninguém, seja mulher ou homem, deveria passar. Impossível julgá-la, e isso seria extremamente cruel, pois atitude ou decisão nenhuma justifica tamanho sofrimento. Não consigo conceber a dor, em todos os sentidos. Mas Lycia é uma escritora tão atenciosa e talentosa que nós sentimos essa dor. Toda a violência, todas as agressões a Agatha são trazidas a nós de maneira tão incômoda e brutal que eu senti uma angústia profunda durante essas passagens no livro. Mas elas são fundamentais para que possamos nos envolver, de fato, na história e para que o tema seja, sim, fixado em nossas mentes, como deveria ser. Bruno é repugnante, odioso, assim como toda a sua família, mas infelizmente necessário. Ele não é apenas um personagem de livro, ele é real. E está solto por aí. E precisamos conhecê-lo para podermos detê-lo. Para impedir que a história de Agatha se repita.

Sem Olhar Para Trás, no entanto, não se prende apenas ao lado sombrio. Pelo contrário, em boa parte do livro acompanhamos a jornada de Agatha em sua nova vida. E, além daqueles doces personagens já citados, outros dois formam os pilares da protagonista: Gabriel e Vicente. Gabriel, com apenas nove anos, traz a candura, a inocência da criança que desperta os mais sinceros sorrisos, ainda que ele mesmo tenha vivenciado momentos de horror. Ele é a luz e a alegria da vida de Agatha, um menino que, mesmo tão jovem, mostrou tamanha maturidade e sensatez, além de coragem. Impressionante como em TODAS as cenas de Gabriel eu tinha vontade de abraçá-lo e brincar com ele. E, Vicente, ah, Vicente. Sua tarefa não era das mais fáceis. Mostrar que ainda existe amor, confiança e, sobretudo, respeito numa relação para alguém que já havia desistido de viver isso é quase impossível. Ele é a segurança que Agatha há muito tempo não sentia, ou quem sabe, sequer sentiu. Vicente é a personificação da vida que lhe fora roubada. Da simplicidade que ela aprendeu a aceitar e a se adaptar, da amizade verdadeira, do sentimento mais puro, sem regras ou imposições. E o retrato da determinação e da superação em que ela precisava se espelhar.

A violência contra a mulher existe. Está escancarada, apesar de muitos fingirem não ver. Machucou uma, machucou todas nós. Muito mais do que uma bela leitura, Lycia Barros nos trouxe a realidade. Sem Olhar Para Trás é praticamente um favor social que a autora oferece, pois os livros podem, sim, mudar as nossas vidas. E esse livro especificamente é mais do que um serviço. É um ato de fé, seja você religioso(a) ou não. É um ato de amor próprio. É uma obra que nos instiga a lutar, a ajudar, a apoiar, a vencer e a viver.

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Sem olhar para trás Ficha Técnica Livros

 

 

 

 

Jornalista de coração. Leitora por vocação. Completamente apaixonada pelo universo dos livros, adoraria ser amiga da Jane Austen, desvendar símbolos com Robert Langdon, estudar em Hogwarts (e ser da Grifinória, é claro), ouvir histórias contadas pelo próprio Sidney Sheldon, conhecer Avalon e Camelot e experimentar a magia ao lado de Marion Zimmer Bradley, mas conheceu Mauricio de Sousa e Pedro Bandeira e não poderia ser mais realizada "literariamente". Ainda terá uma biblioteca em casa, tipo aquela de "A Bela e a Fera".

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