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Bienal 2015: a sensibilidade de David Nicholls

Em bate papo com os leitores na Bienal do Livro 2015, o escritor britânico David Nicholls falou sobre suas inspirações e impressões como autor e ficou empolgado ao ver que tantos jovens brasileiros gostam de ler

Nosso segundo dia de Bienal foi à base de filas e senhas, mas bastante proveitoso! Depois de mais de três horas esperando e muita ansiedade, finalmente conseguimos o “passe livre” para o bate papo com David Nicholls, autor de Nós e Um Dia – ambos publicados pela editora Intrínseca -, e um dos mais aguardados do evento, que aconteceu neste sábado, dia 5, durante a Bienal do Livro 2015. Ao chegar no auditório, logo percebemos que Nicholls desmistifica aquela sensação de “frieza” dos britânicos. Pelo contrário, o escritor já chegou brincando e esbanjando carisma para uma plateia bastante emocionada.

“Eu acho difícil ser sério”, confidenciou. “Quando comecei a escrever, a razão pela qual me tornei um escritor é gostar de contar histórias engraçadas. A coisa mais difícil foi aprender a ser sério. Eu tive que me adaptar muito”.

David Nicholls
David Nicholls na Bienal do Livro Rio 2015 / Foto: Vai Lendo

Em sua primeira visita ao país, Nicholls se mostrou muito receptivo e empolgado com seu público brasileiro e ressaltou que ficou feliz e satisfeito de ver que os nossos jovens gostam tanto de ler quanto de eletrônicos. Ele ainda admitiu ter pouco conhecimento da literatura do Brasil, porém, está começando a conhecer através dos livros de Clarice Lispector. E confessou também que não é fã de futebol (nunca viu um jogo inteiro na vida).

“Um dos grandes prazeres de estar no Rio é ver como os jovens nesse país gostam de ler”, declarou Nicholls. “Na Inglaterra, temos uma batalha para convencer os jovens de que os livros são tão empolgantes quanto os games, por exemplo. É bom ver que aqui os livros e os eletrônicos podem trabalhar juntos. O Rio tem sido maravilhoso comigo, estou muito feliz de ver vocês”.

'Nós', de David Nicholls / Divulgação
‘Nós’, de David Nicholls / Divulgação

Em Nós, seu livro lançado recentemente aqui no Brasil, Nicholls se diferenciou da temática que tanto atraiu os leitores ao abordar a vida de um casal já de meia idade que passa por uma crise em seu casamento. O escritor explicou que ele pensou no que vinha “em seguida”, em relação ao tema apresentado em Um Dia – obra preferida entre os fãs brasileiros, e que queria falar sobre a “próxima etapa”. Para Nicholls, Nós também marcou um momento de pura entrega e resolução de problemas pessoais, uma vez que o autor confessou ter escrito esse livro para confrontar os seus conflitos com o próprio pai, que morreu durante o processo de escrita da obra.

“Esse livro (Nós) ainda é uma história de amor, mas fala sobre o que acontece após o casamento”, afirmou ele. “Ele fala sobre os próximos desafios de um casal, quando uma criança chega, por exemplo. Queria escrever uma história de amor diferente. A dificuldade de escrever sobre relacionamentos é trazer coisas novas. Eu queria escrever uma história sobre pais e filhos. Eu tive um relacionamento difícil com o meu pai. Se você leu os três livros anteriores, vai perceber que eles não têm muitos pais. Falam mais sobre amizade, relacionamentos românticos. Quando parei para escrever Nós, pensei em escrever sobre família. E eu fiquei hesitante porque não queria escrever sobre a minha relação com o meu pai. Agora, eu também sou pai. Mas o que significa ser um bom pai? O quão rígido e libertador você tem que ser? Eu me preocupo com isso porque eu e meu pai éramos muito diferentes. Então, decidi confrontar isso. O livro não é sobre mim e meu pai, mas sobre meus arrependimentos e meu sofrimento por não conhecer meu pai muito bem. Isso se reflete no livro. Durante o processo, meu pai morreu. Nós já esperávamos, mas tornou todo o resto do trabalho bem emotivo. Acredito que foi uma tentativa de lidar com esses problemas que eu tive. Essa foi a grande mudança para mim, confrontar esse assunto. Por isso, o livro é dedicado ao meu pai. É sobre ele e não é sobre ele”.

Apesar de ser atualmente um escritor renomado, Nicholls disse que levou tempo até descobrir o que queria fazer. Tanto que, antes de se aventurar na literatura, tentou ser ator, porém, sem sucesso. Por isso, ele, afirmou, seu primeiro livro, Resposta Certa, é uma obra especial, principalmente pelo fato de ter sido o seu primeiro desafio na escrita.

“Eu levei muito tempo até decidir ser escritor, comecei com 33 anos”, contou. “Eu não nasci numa casa acadêmica. Eu lia o tempo todo e assistia a muitos filmes, então, tinha uma ideia boba de ser um ator. Passei muito tempo trabalhando com isso, mas era muito ruim (risos). Até então, eu só havia escrito para a TV, por isso, o primeiro livro tem um significado especial. Escrever um romance foi intimidador. Resposta Certa não é tão conhecido como Um Dia, mas é sobre a universidade. Sobre um jovem bondoso e bem pretensioso. Quando soube que seria publicado, fiquei muito feliz. Tenho muita nostalgia em relação ao processo desse primeiro livro. Eu demorei para tomar a decisão de escrever, para perceber o que eu gostava. Acho que os jovens estão pensando em como se tornar mais confiantes no futuro. Para mim, como escritor, é ótimo ver isso”.

Capas de 'Um Dia' e 'Nós', de David Nichols/Divulgação Intrínseca
Capas de ‘Um Dia’ e ‘Nós’, de David Nichols/Divulgação Intrínseca

Por falar em jovens, Um Dia transformou Nicholls em uma referência literária para esse tipo de público, ao apresentar de maneira bastante natural e verdadeira os conflitos da juventude, através de diálogos simbólicos e muito profundos entre o casal de amigos Emma e Dexter. Tanto que o próprio considera esse título como a reviravolta de sua carreira. Quando perguntado sobre em quem se inspirou para criar personagens tão cativantes e “reais”, ele respondeu que pegou um pouco de suas próprias experiências pessoais e de amigos para compor a história. Aliás, para quem sempre quis saber com quem Nicholls mais se identifica, ele respondeu de imediato: Emma. O autor ainda ressaltou que se preocupou em captar não apenas os bons momentos de uma longa amizade, pois isso não seria condizente com a realidade.

“A Emma tem muito das minhas amigas, em relação ao senso de humor, nas piadas e atitudes”, declarou. “Mas também tem um pouco da minha esperança e das minhas frustrações. O restaurante em que ela trabalha, por exemplo, é o mesmo em que trabalhei. A decepção em não encontrar um emprego também foi a minha. Eu gosto que os livros façam as pessoas refletirem. Não curto sentimentalismo ou previsibilidade. Quero que seja triste, engraçado, empolgante, mas também real. Adoro quando os leitores dizem que as mesmas coisas aconteceram com eles. Eu queria capturar o outro lado do amor, a frustração, a incapacidade de se comunicar e, ainda assim, amar a pessoa. Você não precisa escrever apenas como tudo é maravilhoso, eles precisam discutir, brigar, discordar. Meu segundo livro, Substituto, foi desapontador para mim, na Inglaterra. Eu gostava muito desse livro e pensei que a minha carreira tivesse acabado. Então, tirei uma pausa e, depois, sentei para escrever. Foi assim que saiu Um Dia. Esse livro foi bem divertido de escrever. Eu tive muito cuidado, muito tempo. Foi uma reviravolta na carreira”.

Citando como suas principais referências Charles Dickens, Scott Fitzgerald e J. D. Salinger, Nicholls exaltou a capacidade dos livros de mexerem com os sentimentos mais íntimos dos leitores, criando uma identificação única. Por isso mesmo, ele explicou, acredita que as histórias transformadas em filmes perdem parte da essência, devido às limitações de um roteiro, como o tempo, por exemplo. Assim, os romances conseguem captar melhor as emoções.

“O romance tem a forma natural, a melhor forma de contar uma história específica”, apontou. “Como romancista, eu gosto muito de televisão, filmes, mas eu gosto da liberdade de ser um romancista. Ser simplesmente eu mesmo, ter esse poder. Eu só consigo descrever os meus próprios sentimentos em relação à leitura. Sempre li, mas, aos 12 anos, fiquei obcecado. Livro é uma impressão. Como pode ser tão emocionante e empolgante? Como alguém escreveu algo há 150 anos que reflete a minha própria vida? É extraordinário. Tem algo único e singular em relação à emoção das pessoas ao lerem um livro. Essa identificação. Quando o livro funciona, quando dá certo, é a forma de arte mais satisfatória. A experiência de você sentar sozinho, entrar na mente de uma pessoa e se reconhecer nessa mente é fantástico”.

Jornalista de coração. Leitora por vocação. Completamente apaixonada pelo universo dos livros, adoraria ser amiga da Jane Austen, desvendar símbolos com Robert Langdon, estudar em Hogwarts (e ser da Grifinória, é claro), ouvir histórias contadas pelo próprio Sidney Sheldon, conhecer Avalon e Camelot e experimentar a magia ao lado de Marion Zimmer Bradley, mas conheceu Mauricio de Sousa e Pedro Bandeira e não poderia ser mais realizada "literariamente". Ainda terá uma biblioteca em casa, tipo aquela de "A Bela e a Fera".

2 Comentários

  • Aline T.K.M.

    São vários os autores que eu gostaria de encontrar pessoalmente, mas com certeza David Nicholls seria um deles. Gostei muito de tudo o que li dele; sou apaixonada por Um Dia e ontem mesmo acabei de ler Nós. Aliás, amei muito este último, foi o melhor do autor desde Um Dia.
    Adorei o post! Queria ter estado aí na Bienal, mas o jeito é esperar a de SP, mais fácil.

    Beijinhos, Livro Lab

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